segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O regresso anunciado da célula de hidrogénio

Há já quase 2 anos anos perguntava aqui, em jeito sardónico, qual seria a razão pela qual os governos, tão entretidos a estimular subsidiar os veículos automóveis de tracção eléctrica em nome da economia "verde"  se mostravam aparentemente desinteressados pela alternativa, tecnologicamente viável, da célula de combustível a partir do hidrogéneo. Ao que parece, a tecnologia "convencional" das baterias ofereceria melhores expectativas no curto/médio prazo. Sabemos o caminho que as coisas tomaram: um fracasso monumental apesar do dinheiro torrado pelos governos na sua promoção (com os EUA de Obama em lugar de destaque e Portugal com a fantástica inutilidade da socratina rede Mobi.e) e inúmeros fumos, quando não fogos, de ocorrupção na disputa pelos "estímulos". O entusiasmo foi, pouco a pouco, esmorecendo e até a BBC já publica textos como Electric cars 'pose environmental threat (!)

Ora é hoje notícia, via Bloomberg, que a Daimler, a Nissan e a Ford celebraram entre si um acordo tendo em vista o desenvolvimento de veículos movidos a células de combustível, à semelhança do que a Toyota e a BMW anunciaram no passado dia 24 (para além da Hyundai). Como se refere na notícia, "[a]s células de combustível produzem electricidade através da combinação de hidrogénio e oxigénio, libertando vapor de água no processo. Comparado com os veículos eléctricos alimentados por baterias, os automóveis alimentados a células de combustível têm uma autonomia mais próxima da dos veículos com motor de combustão e o tempo de reabastecimento é comparável ao de encher um depósito de gasolina". Ou seja, parecem ser capazes de contrariar a razão pela qual os carros eléctricos foram postos de pousio durante bem mais de um século (pela sua pequena autonomia) em desfavor dos movidos pelo motor de explosão.

Uma boa notícia, entretanto: pelo menos por enquanto, não se ouve falar de estímulos subsídios governamentais. Um bom sinal de sanidade económica assim tenhamos a (improvável) sorte de os políticos não se intrometerem... 

Ricardo Arroja - politicamente (in)correcto

Tinha dado conta da genericamente favorável recensão de Filipe Faria ao recente livro de Ricardo Arroja (RA), "As Contas Politicamente Incorrectas da Economia Portuguesa", pelo que ontem, deambulando numa livraria, não sem que antes tenha lido integralmente o prefácio da autoria de Vítor Bento, resolvi comprá-lo.

Vítor Bento põe o dedo bem dentro de uma das mais fé feridas de que sofremos. Julgo valer a pena transcrever um excerto onde ela é bem caracterizada:

«Sobre um alicerce frágil não é possível edificar uma casa sólida. Da mesma forma, apoiado em factos errados, não é possível construir uma argumentação certa» ... «Este é o mal de que padece grande parte do comentário público em Portugal e, frequentemente, do próprio reporte noticioso, e que muito contribui para a pobreza do debate político-social. Uma tremenda falta de rigor no tratamento factual daquilo sobre que se pretende argumentar e que não pode deixar de levar a conclusões erradas».

E é aqui que se torna incompreensível - esta é, aliás, a única razão pela qual escrevo estas linhas -, as referências "definitivas", as que não "parecem"(*) pois, serão, supostamente, incontestáveis. Uma é a persistência na falácia que a "Educação" é um dos factores da nossa baixa produtividade (p. 65) e impeditivo de uma "modernidade sustentável". A outra, pedindo emprestada a expressão ao Prof. Pinto de Sá, deixa-me completamente desaustinado. Afirmando - correctamente - que "[o] problema da electricidade cara é, aliás, um problema sério, com efeitos transversais a toda a indústria", e que a electricidade em Portugal é caríssima, escreve mais à frente (meu realce):
"[É] provável  que a melhoria da balança comercial [de combustíveis minerais] tenha passado pela substituição das importações, nomeadamente pela substituição das importações de petróleo por via da produção de energias renováveis. Afinal, a aposta nas renováveis sempre serviu para alguma coisa."
Ora, como o Prof. Pinto de Sá demonstra à evidência no seu post Electricidade a petróleo em Portugal, tal é rotundamente falso. Das duas centrais térmicas a fuel-óleo que foram construídas no continente, a do Carregado já há anos que foi reconvertida para gás natural (de "ciclo combinado") e a de Setúbal que só muito raramente é utilizada. Há quem persista em não ver o que entra pelos olhos dentro: o desastre, a vigarice, das novas renováveis, em particular da eólica (hídrica com bombagem reversível incluída) pelo peso relativo que atingiu entre nós. Pelo menos neste tema, Ricardo Arroja também sucumbiu, afinal, ao politicamente correcto, à propaganda "verde".

E não é só cá, é por todo o mundo que o recurso à queima de petróleo (fuel) para produzir electricidade quase desapareceu, como bem resume este gráfico que roubei a Antón Uriarte:


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(*) E com efeito, embora o livro se caracterize por um registo para-jornalístico, é certo que RA se preocupa, através do recurso a sucessivas notas de rodapé em referir as fontes que vai convocando para justificar as afirmações que produz ( 282, se contei bem, ainda que em geral ultra-telegráficas e muitas delas refiram "cálculos do autor"). Uma nota curiosa para referir que o livro não contém um único gráfico ou tabela o que porém não o impede de recorrer a uma prosa, digamos, profusamente estatística.

Muitas das suas afirmações são pelo menos contestáveis o que só constituirá surpresa para quem, por exemplo, desconheça a fé de RA nas virtudes do "bom" Estado tutelar, "impulsionador", "protector" e "regulador" que o leva a fazer uma incursão pelas virtudes da boa governação (mercantilista) dos consulados de Pombal e Salazar. (A título de mero exemplo, "[o] Estado deveria fazer do fomento da concorrência interna uma das suas principais missões"  - p. 71). Outras, também numerosas e algumas mesmo muito incomodativas para o regime democrático português, são realmente congruentes com o título do livro e Filipe Faria já as identificou.

Mensagem aos (jovens) economistas

Via Facebook, dois excelentes e fundamentais conselhos de Maria da Conceição Tavares: 1) aprendam História para que consigam ligar os acontecimentos; 2) esqueçam os modelos matemáticos que de nada servem.


Escusado será dizer - mas nunca se sabe... - que não subscrevo os últimos 25 segundos da sua intervenção.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O orwelliano Obama e a falsificação da História

Imagem retirada daqui
No seu segundo Inauguration Address (transcrição aqui  em inglês e num bom português aqui) Obama revela-se, agora sem rebuço. Aí expôs a sua verdadeira agenda, incluindo temas que estiveram praticamente ausentes na campanha eleitoral (como a da "luta" contra as "alterações climáticas", coisa que irritou muito os seus apoiantes verdejantes). É o progressivismo, isto é, a doutrina do estatismo benevolente e suposto corrector das "imperfeições de mercado", estruturado e posto em prática com Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson (tema do recente livro do juiz Andrew Napolitano) que agora regressa, às claras, em todo o seu "esplendor".

Para o efeito, Obama não hesita em recorrer à máxima imortalizada por George Orwell: "Aquele que controla o presente, controla o passado. Aquele que controla o passado controla o futuro".O seu discurso, não sendo mais que a tentativa de conferir legitimação histórica (a famosa "excepcionalidade" americana) à sua agenda, é uma fraude desavergonhada. É isto que demonstra a crónica de Patrick J. Buchanan - Obama’s Egalitarian Revolution - cuja tradução, da minha responsabilidade, se segue:
"O Segundo Mandato Começa Com uma Arrebatadora Agenda para a Igualdade", era o título do artigo principal, a oito colunas, com que o Washington Post captou a essência do segundo discurso de posse de Obama. Nele ele declarou:

"O que une esta nação... o que nos torna excepcionais - o que nos faz americanos - é a nossa fidelidade a uma ideia, articulada numa declaração feita há mais de dois séculos atrás."

De seguida, Obama citou a nossa Declaração de Independência:

Consideramos estas verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade [excerto transcrito daqui].

A nossa "união", continuou, "foi fundada nos princípios da liberdade e da igualdade."

Prosa agradável - e um disparate transparente.

Como poderia a União Americana ter sido fundada no princípio da igualdade, quando a "igualdade" não é mencionada na Constituição, na Declaração dos Direitos dos Cidadãos ou nos textos d' O Federalista? Como poderia ser a igualdade um princípio fundador de uma nação em que seis dos 13 estados originais tinham legalizado a escravidão e cinco dos primeiros sete presidentes possuíram escravos durante todas as suas vidas?

O que Obama pregou no seu discurso de posse não foi a verdade histórica, mas a propaganda "progressiva" [progressive], numa reescrita orwelliana da história da América.

Gesu Bambino - Kathleen Battle and Frederica von Staade

Citação do dia (99)

"The majority of the students espouse without any inhibitions the interventionist panaceas recommended by their professors."

Ludwig von Mises, Human Action

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Citação do dia (98)

‎"If the practice persists of covering government deficits with the issue of notes, then the day will come without fail, sooner or later, when the monetary systems of those nations pursuing this course will break down completely. The purchasing power of the monetary unit will decline more and more, until finally it disappears completely."

Ludwig von Mises, "On the Manipulation of Money and Credit", página 8

O regresso aos mercados

Vai por aí uma grande excitação porque "voltámos aos mercados" com uma emissão de dívida pública a 5 anos, no montante de 2,5 mil milhões de euros, à taxa de juro implícita de 4,891%.

"Demos um passo extraordinariamente positivo", afirma Eduardo Catroga. Ricardo Salgado, esse, ribomba com a "vitória sobre as agências de rating"! Para os lados do CDS, Ribeiro e Castro, num assomo pouco usual no seu partido, classifica de "movimento de mestre" a decisão de Vítor Gaspar de "antecipar a ida aos mercados"; já João Almeida prossegue o registo de cuidado extremo com que a direcção de Portas tem conduzido o CDS, preferindo sublinhar que o "[regresso aos mercados] tem que ter consequências" na "economia real" (crédito bancário disponível, crescimento e emprego).

Sendo inegável que o sucedido permite alimentar a ideia de que se tenha verificado uma inversão sustentada de expectativas (que os mercados secundários da dívida pública já vinham antecipando nos últimos meses), não vejo razões para grandes celebrações. A despesa pública estatal reduziu-se estruturalmente nos últimos 18 meses? Não! Pouco mais houve, à excepção notável do sector dos transportes públicos, que cortes temporários na mesma (alguns dos quais aliás já revertidos, vide 13º e 14º meses na FP e pensionistas). O défice orçamental desapareceu? Não, apenas diminuiu a sua magnitude (e não esqueçamos as receitas extraordinárias). E o que aconteceu com os impostos? Aumentaram desmesuradamente!

Daí que, sem mais, o "regresso aos mercados" pode até vir a transformar-se num mero paliativo, induzindo melhoras aparentes num corpo que continua extremamente doente (a propósito, veja-se como António José Seguro já se relembrou da linha de mercadorias entre Sines e Madrid para "estimular" a economia e o emprego). Não haja ilusões: o reequilíbrio das contas externas, se bem que em parte ajudado pelo bom comportamento das exportações (tal como em Espanha, por exemplo), só foi possível pela fortíssima redução induzida na procura interna (aumento de impostos, redução de salários, despedimentos, etc.) e, por essa via, na redução brutal das importações. Não é único, o caso luso. Pouco, muito pouco, foi feito por cada um dos países da zona euro, como o insuspeito Roubini assinala.

Por outro lado, é bem provável que o Tribunal Constitucional volte a pronunciar-se pela inconstitucionalidade quanto a medidas de redução da despesa pública constantes no OE/2013. Se tal ocorrer, qual é a alternativa para este ano? E para o ano? E para os seguintes? Continuar a redefinir o conceito de "rico" até ao desaparecimento por completo da classe média?

Ou será que a alternativa, à parte a ocorrência de um improvável milagre, é a adopção da política (?!) do despacho? Nos finais de Agosto de 2011, quando foi publicada a 1ª versão do designado Documento de Estratégia Orçamental, classifiquei de "cobarde" este Governo (António Barreto, retomava o adjectivo no fim-de-semana passado) ao não vislumbrar no documento o reflexo da existência de qualquer estratégia de longo prazo. Se outras razões não houvesse, teria bastado toda a longa e triste novela do relatório do FMI para o "repensar do Estado", do palácio Foz (que falta de tino!) e da regra de Chatham House, etc., para justificar o epíteto.

Estais optimistas? Muito boa sorte!

A sério?

Nouriel Roubini: “Os problemas fundamentais da Zona Euro não foram resolvidos”

Quem havia de dizer! E ainda por cima vindo de um keynesiano de boa cepa...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O despacho

Segundo se pode ler e ouvir aqui, meu realce, "[o] ministério da Economia e do Emprego assinou um despacho na semana passada que possibilita a uma empresa um investimento de 18 milhões de euros na reactivação dos estaleiros navais do Mondego".

Hossana! Salve! Extraordinário e providencial despacho! O que seria de nós sem estes instrumentos "facilitadores" que se mostram essenciais (são os governantes que o afirmam) para tornear o que a burocracia dificulta quando não impede. Repare-se que é o "despacho" que possibilita e não a vontade do empreendedor. Desconheço o conteúdo do dito pelo que só posso especular as possibilidades que ele (despacho) abriu. Ter-se-á tratado de um subsidiozito? De uma derrogação, a título "excepcional", de uma qualquer norma? O que quer que tenha sido é que este anúncio, comunicado pelo próprio ministro da Economia, é em tudo igual às de outros ministros da pasta (ocorre-me de imediato o extraordinário dr. Pinho) que, invocando inúmeras siglas e programas, supostamente, são "essenciais" à revitalização da economia.

Em resumo, e invocando Frédéric Bastiat, o que "vemos" é um despacho que, assim nos assegura Álvaro dos Santos Pereira, possibilita a criação de 134 (cento-e-trinta-e-quatro) empregos directos. O que "não vemos", e tal acontece todos os dias, são os empregos que não são criados em consequência dos quadros legais existentes, de resto em permanente alteração, que amplificam o clima de enorme incerteza existente e, portanto, desincentivam o investimento. O que não vemos são todos aqueles empregos de que o próprio estado se encarrega de sentenciar a respectiva morte directa (aumento brutal do IVA na restauração, por exemplo) ou indirectamente (como a "regulação"). Para estes últimos nunca haverá "despachos" personalizados.

Charlatões e charlatonas

"Muito simplesmente [dentro de uns quantos anos] as crianças não irão saber o que é a neve", afirmava, entrevistado pelo jornal The Independent, em 20 de Março de 2000, o Dr. David Viner, cientista sénior da universidade de East Anglia (sede do "Climategate 1.0" em 2009), no Reino Unido, embalado pelos tremores e fervores da eco-teocracia do aquecimento global.


Foto daqui
Mas, dirão, o que importa o que pensava (ainda pensará?) o dr. Viner? Bem, se consultarem esta lista de profecias catastróficas, agrupadas nos clássicos temas do "esgotamento de recursos naturais", "da população e da pobreza" e das "alterações climáticas", haverá que concluir que este não é um caso isolado, perdido num qualquer anedotário da asneira. Não! Há uma série bem numerosa de "eminentes" personalidades, provenientes do meio académico e mediático, que, há décadas, proferem dislates gigantescos sem que, estranhamente, sofram as consequências, académicas e mediáticas dos seus estrondosos e repetidos fracassos na previsão do Apocalipse.

Se pensarmos nos muitos billions já gastos com as "novas renováveis" e com as sucessivas e cada vez mais onerosas restrições "verdes" ao funcionamento das economias, isto é, com impacto nas empresas, nos contribuintes e nos consumidores e, portanto, no bem-estar geral; e se pensarmos nos trillions que os mesmíssimos profetas continuam a tentar convencer os governos (e a opinião pública) a despender para "salvar" a Terra de supostos horrores inomináveis que teimam em não acontecer, perceberemos o quão importante é desmontar a arrogância infinita destes profetas da desgraça, afinal, meros charlatões e charlatonas, como a realidade empírica vem demonstrando.

O quinteto que se segue , de "O Charlatão", de José Mário Branco, parece-me bem ilustrar o que precede fazendo ainda lembrar-me de um certo ex-candidato a presidente dos Estados Unidos que sempre tem conseguido, na perfeição, conduzir os seus (bem) proveitosos negócios enquanto anuncia o Armagedeão ambiental:

Na travessa dos defuntos
charlatões e charlatonas
discutem dos seus assuntos
repartem-s'em quatro zonas
instalados em poltronas

Em memória de Martin Luther King

Barack Obama prestou juramento ontem, dia em que celebra o nascimento de Martin Luther King, feriado federal nos EUA, chegando ao ponto de usar o exemplar da Bíblia que pertenceu ao dr. King na tomada de posse relativa ao seu segundo mandato.


Acompanhando Anthony Gregory, creio que deveríamos meditar nas palavras de Martin Luther King, nomeadamente as proferidas em Nova Iorque, em 4 de Abril de 1967, quando denuncia a iniquidade da guerra do Vietname e o papel, terrível, que ele acha que o seu próprio governo nela prosseguia (transcrição integral discurso e video). Traduzo o excerto que A. Gregory entendeu destacar - e bem - num momento em que os EUA estão, hoje, envolvidos em múltiplas guerras pelos quatro cantos do mundo. Anoto, uma vez mais, a complacência hipócrita e imoral da esquerda relativamente às "boas" guerras de Obama (ver, a propósito a página do fb, referente a George W. Obama, o presidente que, à semelhança de Franklin Delano Roosevelt, também irá cumprir quatro mandatos...). 
«Eu sabia que nunca mais poderia elevar a minha voz contra a violência dos oprimidos nos guetos sem antes ter falado claramente do maior veículo de violência no mundo de hoje - o meu próprio governo. Para o bem daqueles rapazes, para o bem deste governo, para o bem das centenas de milhar que tremem sob a nossa violência, eu não posso ficar em silêncio.

Para aqueles que perguntam, "Você não é um líder dos direitos civis?", desse modo pretendendo excluir-me do movimento pela paz, eu tenho mais uma resposta adicional. Em 1957, quando um grupo de nós formou a Conferência parar a Liderança Cristã do Sul [Southern Christian Leadership Conference], escolhemos como nosso lema: "Para salvar a alma da América". Estávamos convencidos de que não podíamos limitar a nossa visão  a certos direitos para os negros, pelo que em vez disso afirmámos a convicção de que a América nunca seria livre ou salva de si própria até que os descendentes dos seus escravos fossem completamente libertados das grilhetas que continuam a usar. De certa forma estávamos concordando com Langston Hughes, aquele bardo negro de Harlem, que antes tinha escrito:

Oh, sim,
Digo-o de modo bem claro,
A América nunca foi a América para mim,
E todavia faço este juramento -
A América sê-lo-á!


Agora, deve ser incandescentemente claro que ninguém que tenha qualquer preocupação com a integridade e a vida da América pode hoje ignorar a actual guerra. Se a alma da América se vier a tornar totalmente envenenada, em parte da autópsia deverá ler-se: Vietname.»

Martin Luther King

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Da legitimidade

A presença esparsa na blogosfera, cada vez mais condicionada pela minha errância no facebook, não impediu que lesse com atenção este post do rui a. e o subsequente troca de comentários, em especial na sequência das intervenções de Carlos Novais a contestar a tese de rui a., em mais um episódio no cerrado debate filosófico entre minarquistas e a anarco-libertários. Por outras palavras, da necessidade ou não da existência do Estado, ainda que sob uma forma mínima (a estritamente necessária, na senda do liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX e dos actos fundadores, de funções enumeradas, do estado federal da União dos Estados da América do Norte).

Robert Higgs (em excelente entrevista, aqui), presença frequente no EI, e que ultimamente também se "virou" para o fb onde mantém uma página muito activa, publicou ontem um pequeno mas muito interessante texto que me parece ser um bom contributo para (res)suscitar um debate que, em boa medida, não se inicia sequer porque se as coisas "sempre foram assim" para quê discuti-las?

Membro de organizações profissionais, enquanto trabalhador por conta de outrem, sempre lutei contra aquelas paredes, tidas por inexpugnáveis, do "sempre foi assim". Mais novo, as dificuldades do desafio de as ultrapassar serviam apenas para me alimentar de uma ainda maior vontade de o conseguir. Ao longo dos anos, à medida que o tempo foi passando e alguma sabedoria ia sendo adquirida, as tácticas de que me socorria diversificaram-se, mas o objectivo estratégico, esse - "tear down this wall", nas famosas palavras de Reagan -, creio nunca o ter perdido. Foi física e mentalmente esgotante esse percurso. Deixou sequelas. Permanentes.

Convido-vos, assim, a conhecerem mais um belo texto de Robert Higgs - Legitimacy -, numa tradução de minha responsabilidade, lamentavelmente muito pálida perante a qualidade do original:

Qual é a diferença entre um estado, uma quadrilha criminosa ou um prestador de serviços de protecção como a máfia? Numa palavra, a legitimidade [política]. Na prática, esta vaga noção sugere que as pessoas vêem o estado - a sua composição institucional, os seus funcionários e a sua conduta - como moralmente aceitável ou apropriado, enquanto vêem a máfia - pelo menos a sua conduta -, como moralmente inaceitável ou imprópria.

Muitos estados alegam que a sua legitimidade assenta no fundamento lockeano do consentimento dos governados mas, na prática, esse consentimento revela-se altamente problemático pois a população governada raramente é confrontada, se é que o é alguma vez, com a opção de ser ou não ser governada no quadro das instituições estatais estabelecidas. Os regimes utilizam a educação pública, a propaganda, as decisões judiciais (proferida por juízes do próprio estado), as eleições políticas, as audiências públicas e outros artifícios para imbuir as pessoas da ideia de que os seus governantes são autoridades legítimas que levam a cabo acções legítimas. Muitos desses esforços justificativos, talvez mesmo todos, são altamente questionáveis, se é que não são inteiramente falsos, e nenhum deles representa prova decisiva do consentimento do povo para ser governado tal como o é pelos governantes que os dominam.

Na realidade, o assim chamado consentimento dos governados consiste no essencial da mera aquiescência - uma resignação generalizada que significa apenas que a maioria das pessoas prefere suportar o roubo e a intimidação do estado do que abertamente lhe resistir pelos riscos de dano, de prisão e de morte. A aquiescência do povo, em muitos casos, uma espécie de rendição implícita, mal-humorada e ressentida, dificilmente confere aos governantes uma qualquer aprovação moral. Na verdade, mesmo nos países com os maiores graus de participação política popular, a maior parte das pessoas olhará para os políticos governantes e burocratas com um mal disfarçado desprezo e, por vezes abertamente, com um ódio expresso.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Por que será, por que será?

O banco central alemão, o Bundesbank, irá iniciar o processo de repatriamento do seu ouro armazenado em Nova Iorque, Paris e Londres para Frankfurt (de 700 toneladas até 2020, cerca do dobro do stock detido pelo Banco de Portugal), como se pode ler aqui ou aqui, confirmando os rumores que há meses corriam.

Muitos interpretam esta acção como o prenúncio de um eventual reestabelecimento de uma qualquer espécie de ligação entre a moeda emitida (o novo marco alemão) e o ouro.

Dos economistas como profissão - citação do dia (97)

Mises, na sua opus magnum (publicada originalmente, em língua alemã, em 1940), já tinha caracterizado, com meridiana clareza, a que conduziria o positivismo instrumental dos economistas do mainstream. A generalidade da profissão, nas universidades, abraçou para si a justificação intelectual, quase sempre a posteriori, da suposta bondade da intervenção estatal (qualquer que ela seja). Fora da academia, tornaram-se em burocratas que, naturalmente, perseguem como primeiro fim a justificação da sua própria existência e, claro está, a "necessidade" do seu incessante crescimento.
‎"The development of a profession of economists is an offshoot of interventionism. The professional economist is the specialist who is instrumental in designing various measures of government interference with business. He is an expert in the field of economic legislation, which today invariably aims at hindering the operation of the market economy."

Ludwig von Mises, Human Action

ANA - A privatização de um monopólio (2)

Michael O'Leary, CEO da Ryanair, voltou agora a Lisboa já com a ANA foi privatizada. Deu uma entrevista ao Jornal de Negócios (disponível na íntegra em formato digital apenas para assinantes). Julgo particularmente interessantes algumas passagens da mesma (realces meus) reafirmando O'Leary a disponibilidade da sua companhia para poder operar, a partir do Verão de 2013, uma nova base em Lisboa, com operação de 8 aviões, rotas e mais 4 milhões de passageiros (como se anunciou em Março do ano passado). 
P: Como vê a privatização da ANA?

R: Provavelmente é algo bom, porque em princípio teremos menos política no desenvolvimento no novo aeroporto, mas penso que isso também trará problemas, porque provavelmente a Vinci [a empresa que comprou a ANA] vai querer aumentar os preços e vai aplicar mais taxas (...)
...
P: Sem um segundo aeroporto, continuaria a ser interessante para vocês?

P: Depende das conversações com a Vinci, só com um aeroporto em Lisboa se abre a porta a aumentar os preços. Nós estamos a conversar com a Vinci e achamos que está a correr melhor do que quando a ANA era do Estado, que queria proteger a TAP. A política aqui tem sido proteger a TAP em vez de proteger os consumidores. Portugal está a perder tráfego, porque não cria o ambiente para as companhias “low cost”.
...
P: É fundamental um segundo aeroporto?

R: No limite sim, porque o que fizeram em Lisboa foi substituir um monopólio público por uma monopólio privado e isso pode ser perigoso.

P: Este ano vai ser de crescimento para a Ryanair em Portugal?

R: Sim, vamos passar de 3,8 milhões, para 4,2 milhões de passageiros. Espero que seja um bom ano.

P: Este modelo de “low cost” continua a fazer sentido?

R: É o único que faz sentido.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Um mundo louco, louco, louco

Detlev Sclichter, uma referência frequente neste blogue quando se fala de matérias monetárias, em "It’s a mad mad mad mad world", num registo entre o irónico e o sarcástico, explica por que razão se vive hoje, em sua opinião, sob um regime monetário sujeito a um planeamento central só próprio de uma república soviética. Que uma mera mudança de protagonistas (novo primeiro-ministro no Japão e um novo governador do Banco de Inglaterra), sem qualquer alteração de políticas - na realidade, reiterando-as adoptando doses crescentes - não permitem esperar resultado diferente daquele que vem sido obtido (apesar do mais recente modismo - o da "meta para o PIB nominal"). Um mundo louco, de facto, que iremos pagar em língua de pau. A tradução que se segue, algo livre, é da minha responsabilidade).
Shinzo Abe, o novo primeiro-ministro do Japão, tem algumas novas e excitantes ideias sobre como voltar a pôr a economia do Japão a crescer. E se o governo pedir emprestado muito dinheiro para gastar na construção de pontes e estradas por todo o país?

Se isto não soa a algo de muito novo é porque não o é. Tem sido o que o Japão vem fazendo há 20 anos, e é a principal razão pela qual o Japão é hoje a nação mais endividada do planeta - e ainda assim não está crescendo muito. A proporção da sua dívida [pública] em relação ao PIB ascende a uns lacrimejantes 230 por cento, um recorde mundial, o que já assegura que os futuros pensionistas (e o Japão tem um grande número deles) nunca serão reembolsados, com algo de real valor, dos títulos de dívida pública que, pacientemente, acumularam nos seus fundos de pensões, e que, de forma optimista, continuam a designar por "activos".

Mas não importa. Os keynesianos concordam que essa política foi um sucesso estrondoso, razão pela qual o país necessita de nova dose da mesma, uma vez que, estranhamente, o Japão ainda não recuperou o crescimento auto-sustentado após duas décadas a prossegui-la. Hum... Bem, em todo caso, seguramente que o próximo conjunto de estradas e pontes irá fazer toda a diferença. Sugiro que devamos designar isto por "doutrina Krugman", em homenagem ao extraordinário pensador keynesiano Paul Krugman: mesmo se uns quantos trillions de nova dívida pública e de uns quantos trillions de moeda de papel recém-impressa não revitalizaram a economia, o próximo trillion de despesa pública de orçamentos e governos deficitários e o próximo trillion de nova moeda vinda do banco central irão, finalmente, pôr a economia a mexer. "Basta manter o pé no acelerador até que a economia cresça, gaita!"

O Sr. Abe também planeia forçar o Banco do Japão a imprimir mais moeda, e isso irá ser também, sem dúvida alguma, um sucesso tremendo. A maioria dos economistas de persuasão keynesiana ou monetarista, ou seja, a grande maioria dos economistas, concorda que o Banco do Japão, na realidade, não fez tudo o que estava ao seu alcance. Ao contrário, por exemplo, do Banco de Inglaterra. O Banco de Inglaterra mais do que quadruplicou o seu balanço desde o início da crise representando hoje quase um terço do PIB do Reino Unido. Ao longo do processo, o Banco da Inglaterra também monetizou um terço da dívida pública do país. O Banco da Inglaterra merece realmente ser chamado de rainha do "alívio quantitativo" [QE-Quantitative Easing]!

Presentemente, o balanço do Banco do Japão representa já mais de um terço do PIB, mas a maior parte é um legado dos seus programas anteriores de "alívio quantitativo" que - pensando bem no assunto - também não conduziram ao crescimento auto-sustentado, mas não nos deixemos distrair. Em qualquer caso, desde 2008, o seu balanço apenas cresceu uns escassos 40%. Patético.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

No 100º aniversário da Reserva Federeal

A estabilidade de preços é, desde a sua fundação, uma das missões estatutariamente atribuída à Reserva Federal. O gráfico abaixo (retirado daqui), dispensa comentários quanto ao sucesso da Fed nesse domínio.

Fontes: Bureau of Labor Statistics, Historical Statistics of the United States, and Reinhard and Rogoff (2009)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Citação do dia (96)

"In the end, more than freedom, they wanted security. They wanted a comfortable life, and they lost it all - security, comfort, and freedom. When the Athenians finally wanted not to give to society but for society to give to them, when the freedom they wished for most was freedom from responsibility then Athens ceased to be free and was never free again."
Edward Gibbon

Soares e González: mercados para a rua!


Realmente, esta chatice de não nos emprestarem o dinheiro que precisamos tem que acabar. É mesmo um escândalo! De que estará à espera a "Europa"? Por que raio o Hollande nunca mais se despacha?

sábado, 5 de janeiro de 2013

Citação do dia (95)

"Passa-se com os livros como com os homens, um pequeno número representa um grande papel; o resto confunde-se com a multidão."
Voltaire

Mais do mesmo

ou a necessidade de dar a impressão de fazer qualquer coisa para que tudo continue rigorosamente na mesma: PGR ordena auditoria urgente a violações de segredo de justiça.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Elogio a Gérard Depardieu


Ou, como titula Pat Buchanan, "The Depardieu Revolution". A tradução é minha
Quando o presidente socialista François Hollande assumiu funções, rapidamente concretizou a sua promessa de aumentar a taxa máxima de imposto [sobre o rendimento], para os franceses que ganham um milhão de euros por ano, para 75 por cento.

O regime passava agora a confiscar três dos quatro dólares que os franceses melhor sucedidos ganham. Paris também impõe um imposto sobre a riqueza para activos no valor de mais de 1,7 milhões de dólares.

Isso foi a gota de água para Gérard Depardieu, o actor famoso e bon vivant que já participou em inúmeros filmes interpretando papeis como o de Jean Valjean em "Les Misérables" [com estreia em breve em Portugal] e Cyrano de Bergérac.

Depardieu pôs a sua mansão de Paris à venda, atravessou a fronteira para a aldeia belga de Nechin, entregou o seu passaporte francês e vai renunciar à cidadania francesa. Uma pequenina comunidade de franceses já reside em Nechin, a um quilómetro fora do alcance da polícia fiscal de Hollande.

Depardieu diz que no ano que passou, 85 por cento [!] de tudo o que ganhou foi para pagar impostos. Ao longo de uma carreira de 45 anos, afirma, quase 200 milhões de dólares dos seus rendimentos foram-lhe retirados pelo fisco francês.

"Eu não gosto dos ricos", disse Hollande [20" do vídeo].

O sentimento é recíproco. Uma estação de rádio francesa afirma que 5 mil cidadãos franceses saíram do país desde que ele tomou posse.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Mais um ambiogate?

A czarina eco-teócrata que chefiava a Environmental Protection Agency (EPA) apresentou a sua demissão  a Obama no final de Dezembro passado, segundo a própria, por sua iniciativa, conforme se relata no New York Times do passado dia 27 de Dezembro. O artigo - um longo panegírico à acção da primeira afro-americana na condução da EPA - lá concede, no seu 18º parágrafo (!), que está a decorrer uma investigação, conduzida pela própria inspecção-geral da EPA, que tem por finalidade apurar qual a efectiva utilização de uma segunda conta de email (usando o pseudónimo Richard Windsor) na eventual condução dos assuntos da agência. Segundo aqui se lê (não no NYT, claro!) estão em causa 12 000 mensagens de correio electrónico relativas à "guerra ao carvão" que Jackson conduziu ao longo quatro anos em que ocupou o cargo. O que teria Jackson a esconder?

Coincidências e hipocrisias persistentes

O complexo militar-industrial, de que falava Eisenhower há 60 anos atrás, continua a operar livremente com o activo beneplácito do poder político (executivo e legislativo).

Foto daqui
A esquerda, hipocritamente, cessou toda a retórica anti-militarista dos anos dos Bush parecendo conviver placidamente num insuportável silêncio, cúmplice e ensurdecedor, face a coisas como "listas de morte" (em que Obama é simultaneamente, acusador, juiz e carrasco, inclusivamente de cidadãos americanos), guerras não declaradas, como a da Líbia, do Iémen, do Paquistão, etc. (basta agora uma "ordem executiva" do homem da Casa Branca), para além da intensificação da guerra no Afeganistão, sem fim ou propósito à vista, para além da manutenção de Guantánamo. A guerra através do recurso aos drones, que Obama promove em cada vez maior escala, prossegue num crescendo aparentemente sem fim (e convenientemente fora dos holofotes mediáticos). Seguir-se-á o seu uso no próprio território americano.

Custos de interesse particular

é a correcta retroversão dos orwellianos CIEG (Custos de Interesse Económico Geral), só possíveis pelo acobertamento estatal e pelo politicamente correcto, dos governos e, muito em especial, de Bruxelas, "justificados" por um suposto aquecimento global que os termómetros teimam em não registam nos últimos 16 anos (daí o entretanto rebaptismo para "alterações climáticas"). Sócrates foi um seu agressivo agente, mas como repetidamente tenho chamado a atenção, e o Prof. Pinto de Sá aqui explicita, relativamente ao pensamento do vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva, este é um tema que tem sido alimentado (e explorado) por boa parte do "centrão". A factura, para os consumidores e para as empresas, virá já a seguir.

Imagem retirada daqui
Mas há alguns motivos para estar moderadamente optimista para, pelo menos, se conseguir suster a insanidade de concretização de negócios sustentados em agendas políticas (na mira dos subsídios e empréstimos que sempre acompanham estas políticas "activas"). É o tema do artigo recentemente publicado no Wall Street Journal sob o título "Silicon Valley's Green Energy Mistake".

Um outro sinal, a meu ver bem relevante, é o tom lúgubre com que George Monbiot, no Guardian, reconhece o esmorecimento do fervor eco-teócrata, que a ausência do tema na campanha para as presidenciais americanas denotou.

Por último, a título só aparentemente de comédia, via NoTricksZone, um sinal quiçá indicativo da aproximação do estertor eco-teócrata (e ecofascista), foi o do episódio do psicótico professor de música da universidade de Gartz, na Áustria, que achou por bem propor a "terminação" física de todos os "negacionistas" do aquecimento global em ordem a evitar a morte futura de centenas de milhões de pessoas no futuro. Entre os indivíduos a liquidar está, segundo o Professor Richard Parncutt, o próprio papa! Para quem não acreditar, vá até aqui certificar-se de que é mesmo verdade.

Entretanto, tem sido esta a evolução das emissões de CO2 nos EUA, que agora regressaram aos níveis de 1992. Principal responsável por este resultado, de longe: a adopção generalizada do gás natural tornada possível pela exploração das imensas jazidas de gás de xisto.
Imagem retirada daqui

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Em memória de Ravi Shankar

Um músico de excepção que desapareceu em 2012.

Equívocos, também papais

Segundo leio, Bento XVI, lamentou na sua homilia de hoje que o mundo de hoje esteja ainda "muito marcado por focos de tensão e confronto causados por crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo prevalecer de uma mentalidade egoísta e individualista, que se exprime também por um capitalismo financeiro sem regras".

Duas breves notas:

1) Como compaginar o reforço da prevalência de uma "mentalidade egoísta e individualista" quando o Estado absorve uma cada vez maior parcela da riqueza gerada para - assim é propagandeado pelos seus defensores -, "promover a solidariedade" através da sempre crescente subida de impostos, em ordem a precisamente atenuar a desigualdade de rendimentos? Não ocorrerá que esteja precisamente na engenharia social de uma "solidariedade" imposta, e necessariamente da sua despersonalização e burocratização, que promove precisamente comportamentos inversos aos que os "humanitários" pretendiam perseguir? Não reside aí, afinal, a real fonte da sanha persecutória contra Isabel Jonet?

2) Como é possível continuar a sustentar a suposta existência de um "capitalismo financeiro sem regras" quando são os Estados, porque não lhes convém, que não permitem que os bancos entrem em falência em resultado da má gestão de que foram alvo (ou das fraudes que lá ocorreram) tal como acontece a qualquer empresa que não seja de "regime"? Porque havemos de continuar a aceitar que seja sempre o contribuinte a suportar os custos de resgatar zombies como, entre muitos, o banco franco-belga Dexia (o terceiro resgate vem a caminho), as Cajas espanholas, o BPN ou agora o Banif?

Nada disto tem a ver com o capitalismo. É antes o seu contrário.

Aleluia! Salve! Ou talvez não

O Senado americano votou ontem à noite uma proposta para evitar o já famoso "precipício fiscal". Não é ainda a versão final pois a Câmara dos Representantes também terá ainda de se pronunciar sobre a mesma mas o resultado final, creio, não será muito diferente do deste acordo de última hora.

Um pouco por todo o mundo (por exemplo, aqui, aqui, aqui ou aqui), os media do mainstream suspiram fundo perante o esvaizamento da ameaça do Armagedeão que se seguiria caso o "compromisso" bipartidário não tivesse sido conseguido. Tudo seguiu o costumeiro guião: mais 620 mil milhões de dólares de receita fiscal e para-fiscal e 20 mil milhões de "cortes" na despesa (na verdade, apenas uma diminuição no crescimento projectado da despesa pública), numa proporção de 40:1 (!) como Robert Wenzel assinala. Tudo isto embalado, como é bem de ver, pela retórica de Obama de que serão os "ricos" que suportarão a maior parte desse aumento através do aumento do IRS lá do sítio. A realidade, porém, é bem diferente: mais de metade do crescimento da receita advirá do acréscimo de cerca de 50% (!) dos descontos para a segurança social a suportar pelos trabalhadores!

Sim, não há dúvida. O precipício ficou mais perto. O precipício para que a economia americana com a ajuda preciosa dos republicanos que assim voltam a demonstrar a sua inutilidade (como Pat Buchanan assinalou).