sexta-feira, 26 de abril de 2013

Produção versus Consumo ou a diferença entre um economista e Lorde Keynes

Na sequência de Uma dose de senso comum: qualquer idiota consegue consumir, e com a devida vénia a António Costa Amaral pela indicação do texto de George Reisman - Production versus Consumption - onde se contrastam as "duas teses fundamentais" da teoria e vida económicas dos últimos dois séculos, entendi por útil traduzi-lo pois a oposição veiculada no seu título constitui o cerne do debate político e económico dos nossos dias. Por um lado, temos aqueles que sustentam ser o consumo que induz a expansão da produção (que traduzi, à falta de melhor termo, por visão "consumista" [consumptionist] da economia); a esta opõe-se a teoria "producionista" [productionist] que defende que só a expansão da produção, possibilitada pela acumulação de capital, pode proporcionar o acréscimo do consumo. O texto é algo longo mas creio valer a pena a sua leitura integral para a qual não é necessária nenhuma iniciação em economês, apenas o recurso ao raciocínio lógico.
Existem duas visões fundamentais da vida económica. Uma dominou a filosofia económica do século XIX, sob a influência dos economistas clássicos britânicos, como Adam Smith e David Ricardo. A outra dominou a filosofia económica do século XVII, sob a influência do mercantilismo, e voltou a dominar a filosofia económica do século XX, em boa medida devido à influência de Lord Keynes.

Imagem retirada daqui
O que distingue estas duas visões é o seguinte: no século XIX, os economistas identificaram o problema fundamental da vida económica como a forma de expandir a produção. Implícita ou explicitamente, perceberam a base da actividade económica e da teoria económica como estando assente no facto de que a vida do homem e do seu bem-estar depende da produção de riqueza. A natureza do homem fá-lo necessitar de riqueza; os seus juízos mais elementares fazem-no desejá-la; o problema, mantinham, é produzi-la. A teoria económica, portanto, podia dar por adquirido o desejo de consumir e concentrar-se nas vias e nos meios pelos quais a produção poderia aumentar.

No século XX, os economistas regressaram à visão directamente oposta. Em vez de o problema ser entendido como a forma de expandir continuamente a produção diante de um desejo ilimitado de riqueza resultante das ilimitadas possibilidades de melhoria na satisfação das necessidades do homem, o problema é erroneamente identificado como sendo a forma de expandir o desejo de consumir para que o consumo possa ser adequado à produção. A teoria económica no século XX dá a produção por adquirida e concentra-se nas vias e nos meios pelos quais o consumo pode ser aumentado. Tudo se passa como se o problema da vida económica não fosse a produção de riqueza, mas sim a produção de consumo.

Estas duas premissas básicas, diametralmente opostas e mutuamente exclusivas, sobre o problema fundamental da vida económica desempenham o mesmo papel na teoria económica como o fariam metafísicas contraditórias em filosofia. Ponto por ponto, elas resultam ou em conclusões opostas ou no desenvolvimento de razões opostas para a mesma conclusão. Elas determinam a teoria económica de uma forma tão completa e fundamental que dão origem a dois sistemas completamente diferentes do pensamento económico.

Duas visões do emprego



Se nos situarmos no século XIX, sob a premissa producionista, percebe-se em primeiro lugar que não existe tal coisa como um problema de "criação de empregos". Há um problema de criação de empregos remunerativos, mas não de postos de trabalho. Em todos os momentos, mantém o producionista  há tanto trabalho por fazer - como potenciais postos de trabalho para serem preenchidos - como há desejos humanos por satisfazer que poderiam ser satisfeitos com uma maior produção de riqueza; e como esses desejos são ilimitados, a quantidade de trabalho a ser realizado - o número de empregos potenciais a preencher - também é ilimitado. Portanto, argumenta o producionista,  a utilização de mais e melhores máquinas não provoca desemprego. Ela simplesmente permite aos homens, na medida em que eles não prefiram o lazer, produzir mais e, assim, atender às suas necessidades de modo mais completo e de uma melhor forma. Do mesmo modo, o aumento do número de horas de trabalho ou o emprego de mulheres, crianças, estrangeiros ou pessoas de raças ou religiões minoritárias também não privam ninguém de trabalho. Muito simplesmente, tornam possível uma expansão da produção.

Se nos situarmos no século XX, sob a premissa consumista, um outro ponto de vista é adoptado relativamente à maquinaria e ao emprego de mais pessoas. Cada expansão da produção é vista como uma ameaça para alguma parcela do que já está sendo produzido. Imagina-se que a produção é limitada pelo desejo de consumir. Teme-se que este desejo possa ser limitado e, portanto, que uma expansão na produção em qualquer segmento deva forçar uma contracção da produção num outro qualquer segmento. Assim, receia-se que o trabalho realizado por máquinas leve a que haja menos trabalho para as pessoas, que o trabalho executado por mulheres faça com que haja menos trabalho para os homens, que o trabalho executado por crianças elimine trabalho a realizar por adultos, que o trabalho realizado por judeus retire trabalho aos cristãos, que o trabalho realizado pelos negros retire trabalho aos brancos, e que o trabalho extra de alguns signifique uma escassez de trabalho disponível para outros.

Nem o producionista nem o consumista desejam horários prolongados ou trabalho infantil. Aqui, nesta medida, ambos chegam à mesma conclusão. Mas as suas razões são completamente diferentes. O consumista não as deseja porque ele acha que há um problema quanto ao que fazer com os produtos resultantes, a menos que outros produtos deixem de ser produzidos e outros trabalhadores se tornem desempregados. O producionista não deseja longos horários ou trabalho infantil porque ele não dá valor à fadiga ou ao cansaço extremo prematuros. O problema, aos olhos do producionista, não é o que fazer com os produtos adicionais resultantes de mais longas jornadas de trabalho ou do trabalho infantil - só a necessidade intensa de produtos adicionais faz surgir este trabalho adicional - mas sim como aumentar a produtividade do trabalho a um nível tal para que as pessoas se permitam ter tempo para o lazer e para dispensar o trabalho dos seus filhos.

A riqueza através da escassez?

Porque imagina a produção a ser limitada pelo desejo de consumir (em vez de o consumo a ser limitado pela capacidade de produzir), o consumista valoriza não a riqueza mas a ausência de riqueza. Por exemplo, após a II Guerra Mundial, ele imaginou que a relativa escassez de casas, automóveis, televisores e frigoríficos na Europa constituía um trunfo da economia europeia porque tal representava uma grande quantidade não utilizada de desejos de consumir, garantindo assim, supostamente, um forte procura por parte dos consumidores. Da mesma forma, ele imaginou que a relativa abundância desses bens nos Estados Unidos constituía uma canga para a economia americana porque significava uma fonte desprovida de desejo de consumir, assegurando assim, supostamente, apenas uma fraca procura por parte dos consumidores. A prosperidade depende da ausência de riqueza e a pobreza decorre da sua abundância, conclui o consumista, pois essa mercadoria de valor inestimável - o desejo do consumir -, com uma oferta mais limitada que os diamantes, é produzida pela ausência e consumida pela presença de riqueza. É sobre esse princípio que o consumista aprecia a guerra e a destruição como fontes de prosperidade e atribui a pobreza nas depressões à "sobreprodução".

O consumista não acredita que a destruição de riqueza seja o único meio para alcançar a prosperidade. Embora ele acredite que seja difícil consegui-la, tem esperança de que a oferta da sua mercadoria, o desejo de consumir, possa ainda assim ser aumentada por medidas positivas. Uma dessas medidas é uma alta taxa de natalidade. Trazer mais pessoas ao mundo, trará mais desejo de consumir ao mundo. A existência de um maior número de pessoas, diz o consumista aos empresários, tornará possível às empresas encontrar alguém sobre quem "descarregar" os seus bens, que seriam supérfluos em caso contrário. As empresas irão prosperar porque o seu fornecimento de bens irá encontrar uma contrapartida numa oferta adequada de desejo por bens. Na ausência de uma alta taxa de natalidade, ou aliada a uma alta taxa de natalidade, o consumista acredita que a publicidade possa sugerir aos consumidores, de outra forma totalmente saciados, algum novo desejo. E, num plano algo diferente, o progresso tecnológico, argumenta o consumista, pode fornecer novos usos para uma oferta crescente de bens de capital, que de outra forma não encontrarão "oportunidades de investimento". Ou, se tudo o mais falhar, o governo pode fornecer um consumo ilimitado, mesmo na ausência de desejo. Ou talvez, tem esperança o consumista, um país possa ter a sorte de estar sob o perigo de ataque de inimigos externos e, portanto, sujeito à necessidade de manutenção de um grande sistema de defesa. Em ambos os casos, o consumista imagina que o governo será capaz de promover a prosperidade através da troca do seu consumo pelos produtos das pessoas.

A produção limita o consumo

O producionista, é claro, tem uma visão diferente. Ele argumenta que o nascimento e a criação dos filhos, constitui sempre um encargo para os pais. Na criação dos filhos, os pais têm de gastar dinheiro com eles que de outra forma teriam gasto consigo mesmos. Claro que os pais podem, e espera-se que assim seja, considerar o dinheiro melhor e mais agradavelmente gasto com os seus filhos; mas, ainda assim, é uma despesa. E se eles tiverem um número suficientemente grande de crianças serão reduzidos à pobreza. Este é um facto, argumenta o producionista, que qualquer um pode observar em toda a grande família que não possua um rendimento correspondentemente grande. A presença de crianças não faz com que os pais gastem mais do que de outra forma gastariam, mas que passarão a  gastar de forma diferente do que de outra forma fariam. Eles compram alimentos para bebés, brinquedos e bicicletas em vez de mais refeições no restaurante, um carro melhor, ou férias mais dispendiosas. Não há nenhum estímulo à produção. A produção é apenas direccionada de modo diferente, em função da distribuição diferente da procura.

O único aumento na produção que pode ter lugar, defende o producionista, será resultado de os pais terem de arranjar um trabalho extra ou trabalhar mais horas para sustentar os seus filhos e ainda serem capazes de manter o seu próprio padrão de vida anterior. E quando as crianças crescerem, o mercado adicional que eles são supostos constituir quanto a casas, automóveis e afins só se materializará na medida em que eles próprios forem capazes de produzir o equivalente a essas coisas e, assim, ganharem o dinheiro para as comprar. Será somente em virtude da sua produção, e não em virtude de seu desejo de consumir, que eles serão capazes de constituir um mercado adicional.

A publicidade e o consumidor

A publicidade, sustenta o producionista, não cria desejo de consumir onde nenhum desejo por bens adicionais teria existido na sua ausência. Não se trata de defender que, na ausência de publicidade, as pessoas fossem prejudicadas quanto à forma como gastassem o seu dinheiro. A publicidade não é necessária, e não seria suficiente, para que produtos hortícolas crescessem transformando-se em homens. O que a publicidade faz é levar as pessoas a consumir de forma diferente e de uma forma melhor da que fariam sem ela. A publicidade é um instrumento de competição, e, como tal, para cada produto competitivo cuja venda aumenta por seu intermédio, há outro produto competitivo cuja venda se reduz.

A atitude do consumista relativamente à publicidade dá um relevo evidente a mais alguns corolários e implicações da sua premissa básica. A sua avaliação da publicidade, como a da guerra e da destruição, é ambivalente, e é necessariamente assim. Por um lado, aprova-a, alegando que através da criação de desejos nos consumidores, cria o trabalho necessário para satisfazer esses desejos. No entanto, esta mesma crença segundo a qual a publicidade cria desejos onde absolutamente nenhum desejo existiria sem a sua presença, também o faz condenar a publicidade. Porque, se fosse verdade que, na ausência de publicidade, os homens ficariam perfeitamente contentes com muito pouco, os desejos criados pela publicidade devem parecer ser superficiais e, basicamente, desnecessários e não naturais.

Tecnologia e bens de capital

O valor do progresso tecnológico, sustenta o producionista, não está na criação de "canais de investimento" ou de "oportunidades de investimento" para uma oferta crescente de bens de capital. Se o conceito de bens de capital for propriamente entendido, significando todos os bens que o comprador emprega com a finalidade de produzir bens para serem vendidos, então, mantém o producionista, não há tal coisa como uma falta de "oportunidades de investimento" para os bens de capital. Conquanto mais ou melhores bens de consumo forem desejados, haverá necessidade de uma maior oferta de bens de capital.

Por exemplo, dez milhões de automóveis de uma determinada qualidade exigem o emprego de duas vezes a quantidade de bens de capital - o dobro da quantidade de aço, vidro, pneus, tintas, motores e máquinas - na sua produção, que cinco milhões de automóveis. Se se pretender melhorar a qualidade dos automóveis, será então necessária uma maior quantidade de bens de capital para a produção do mesmo número de automóveis. Por exemplo, um determinado número de carros de qualidade Chevrolet requererá uma maior quantidade de bens de capital na sua produção que o mesmo número de carros de qualidade Volkswagen; o mesmo número de carros de qualidade Cadillac implicará uma ainda maior oferta de bens de capital; e o mesmo número de carros de qualidade Rolls Royce exigirá uma oferta ainda muito mais alargada.

Princípio idêntico aplica-se às casas de dimensão e qualidade diferentes. Uma dada quantidade de casas de oito quartos de uma determinada qualidade requer o emprego de uma maior oferta de bens de capital que o mesmo número de casas de sete quartos da mesma qualidade. Um determinado número de casas de alvenaria requer uma maior oferta de bens de capital que o mesmo número de casas de madeira da mesma dimensão; os tijolos ou qualquer material mais caro constituem uma maior oferta de bens de capital porque uma quantidade maior de trabalho é necessária para os produzir. O princípio aplica-se aos alimentos e às roupas, aos móveis e aos electrodomésticos, a todos os bens. Desde que uma maior quantidade de qualquer bem de consumo seja desejada, desde que nem todo o bem de consumo que é produzido seja da melhor qualidade conhecida, haverá  necessidade de uma maior oferta de bens de capital.

Enquanto a tecnologia avança

Não se trata do caso de, na ausência de progresso tecnológico, a oferta de bens de capital continuar a expandir-se, mas sem encontrar "oportunidades de investimento". Não se trata do caso de aquilo que temos de temer, numa situação de falta de progresso tecnológico, seja uma inundação de bens em que cada carro produzido será equivalente ao melhor modelo conhecido da Rolls Royce, em que cada casa construída será uma mansão palaciana, em que cada peça de roupa produzida será adequada para o Duque de Windsor, e em que cada porção de comida será uma iguaria rara, e que então iremos ficar sem saber o que fazer quanto à forma de empregar a  oferta crescente de bens de capital. Pelo contrário, o que temos a temer de uma ausência de progresso tecnológico, argumenta o producionista, é que não iremos ter um aumento na oferta de bens de capital, que não iremos ser capazes de explorar uma qualquer considerável parte das praticamente ilimitadas "oportunidades de investimento" que já existem, no quadro da tecnologia conhecida.

O valor do progresso tecnológico, sustenta o producionista, consiste no facto de ele permitir obter uma maior oferta de bens de capital, e não que ele resolva o problema quanto ao que fazer com uma oferta maior. Os avanços tecnológicos que possibilitaram a construção de canais e a construção de caminhos-de-ferro do século XIX e o desenvolvimento da indústria do aço foram valiosos, não porque tenham absorvido bens de capital, como sustenta o consumista, mas porque tornaram possível a acumulação de bens de capital. O consumista não compreende que os bens de capital só podem ter a sua oferta ampliada através de uma expansão na sua produção, e que é precisamente isto que o progresso tecnológico torna possível. Caso não tivessem ocorrido os avanços tecnológicos que possibilitaram as primeiras ferrovias na década de 1830, a oferta de bens de capital necessários para a expansão e melhoria do caminho-de-ferro na década de 1840 não teria sido obtida; ou, se a tivesse sido, somente à custa da expansão de um qualquer outra indústria. Não tivessem acontecido progressos tecnológicos na ferrovia na década de 1840, a oferta de bens de capital na década de 1850 teria sido menor, tanto para a ferrovia como para todos as outras indústrias. E assim teria acontecido década após década, caso os avanços tecnológicos tivessem ocorrido na ferrovia ou em qualquer outra indústria.

Para que a acumulação de capital possa continuar por um dado período de tempo, o progresso tecnológico é indispensável. Só ele pode tornar possíveis aumentos contínuos na produção, e apenas o aumento contínuo na produção pode tornar possível a acumulação continuada de capital. O consumista não está consciente de que é exactamente aquilo que ele considera ser a solução para o seu problema imaginário que é a origem do que ele imagina ser o problema. Nem ele está ciente de que quando propõe o progresso tecnológico como a solução para o problema do que fazer com mais bens de capital, ele se esteja confrontando com o problema do que fazer com a maior oferta de bens de consumo, que até ele mesmo admite  resultarem do progresso tecnológico. O consumista enfrenta, para além de outros problemas, o dilema de explicar como é que o progresso tecnológico pode vir a aumentar a taxa de lucro através, como ele diz, do "aumento da procura de capital", enquanto ao mesmo tempo, como ele próprio admite, aumenta a produção de bens de consumo, o que, afirma, reduz a taxa de lucro por via da "sobreprodução".

Consumismo e parasitismo

A ideia de que pelo consumo do seu produto, se beneficia o produtor, dando-lhe o trabalho de tornar possível o consumo de outros, é um absurdo, afirma o producionista. Apenas a utilização de dinheiro lhe empresta uma leve aparência de plausibilidade. Se tal fosse verdade, então cada escravo que alguma vez viveu deveria ter acarinhado cada capricho do seu senhor, cuja satisfação exigia dele mais trabalho. Um escravo deveria ter ficado grato caso o seu amo desejasse uma casa maior, uma melhor estrada, mais comida, mais festas, e assim por diante. O fornecimento dos meios para satisfazer esses desejos ter-lhe-ia proporcionado, correspondentemente, mais trabalho para levar a cabo.

A crença de que o consumo do estado beneficia e ajuda a sustentar o sistema económico está precisamente no mesmo plano, argumenta o producionista, como a crença de que o consumo do senhor beneficia e sustenta o escravo. É uma crença cujo absurdo só é comparável pela injustiça que a torna possível. É o meio pelo qual os grupos de pressão parasitas, utilizando o estado como um agente de pilhagem, procuram iludir as suas vítimas levando-as a imaginar que são beneficiadas e apoiadas por aqueles que lhes ficam com os seus produtos e nada lhes dão em troca.

O único benefício económico que uma pessoa pode dar a um produtor, argumenta o producionista, consiste na troca dos seus próprios produtos ou serviços pelos produtos ou serviços do produtor. É graças ao fruto do que cada um produz e oferece em troca que se beneficiam os produtores, não através do que se consome.

Na medida em que uma pessoa consuma produtos ou serviços de terceiros sem que ofereça em troca produtos ou serviços, ela consome à custa deles.

O uso de dinheiro torna este ponto um tanto menos óbvio mas não menos verdadeiro. Sempre que é utilizado dinheiro, os produtores não trocam bens e serviços directamente, mas indirectamente. O comprador troca dinheiro pelos bens do vendedor. O vendedor, em seguida, troca o dinheiro por bens de outros vendedores, e assim por diante. Mas cada comprador nesta cadeia teve que oferecer bens e serviços para venda equivalente àqueles que comprou, ou ter obtido recursos de alguém que o tenha feito.

O facto de, numa economia monetária, cada um medir o seu benefício pela quantidade de dinheiro que obtém em troca de seus bens ou serviços é interpretado pelo consumista como implicando que o mero gasto de dinheiro é uma virtude e que a prosperidade económica pode ser encontrada através da criação e despesa de dinheiro adicional e novo - ou seja, por uma política de inflação.

Na réplica, o producionista argumenta que relativamente a todos aqueles que gastam dinheiro recém-criado desta forma, obtendo bens e serviços sem ter produzido bens e serviços equivalentes, tem de haver outros que sofrem uma perda correspondente. A perda, diz o producionista, toma a forma de uma diminuição do seu capital, uma diminuição do seu consumo, ou uma falta de recompensa para o trabalho adicional que executam - uma perda precisamente correspondente aos bens e serviços obtidos pelos compradores que não produzem.

A promoção consumista do consumo por aqueles que não produzem, para assegurar a prosperidade daqueles que o fazem, é, argumenta o producionista, uma resposta patológica para um mundo económico no qual o consumista imagina ser governado pela patologia. O consumista tem sempre diante de si a patologia do avarento. O seu raciocínio está dominado pela ideia de entesouramento. Ele acredita que uma parte da humanidade é motivada por uma paixão sem propósito para o trabalho sem recompensa, o que requer para a sua concretização a existência de uma outra parte da humanidade ansiosa por aceitar recompensa sem trabalho. Este é o significado da crença de que um conjunto de homens apenas deseja produzir e vender, mas não comprar e consumir, e a inferência de que o que é necessário é um outro conjunto de homens que irão comprar e consumir, mas que não irão produzir e vender. No mundo do consumista, os produtores são imaginados como produzindo meramente com único propósito de obter dinheiro. O consumista está preparado para lhes fornecer dinheiro em troca de seus bens - ele propõe ou tirar-lhes o dinheiro que ele acredita que não iriam gastar, com isso conseguindo com que alguém o faça, ou imprimir mais dinheiro e permitir-lhes acumular papel enquanto os outros adquirem as suas mercadorias.

O entesouramento não é o único fenómeno sobre o qual o consumista assesta baterias. Onde na realidade nada servirá, o consumista é um perito em suscitar causas totalmente imaginárias de uma catástrofe económica. Invariavelmente, a solução avançada é o consumo por aqueles que não produziram, em prol daqueles que o fizeram. Invariavelmente, o objectivo é demonstrar a necessidade e os efeitos benéficos do parasitismo - apresentar o parasitismo como uma fonte de prosperidade geral.

A racionalidade da vida económica

Diante dos esmagadores absurdos e contradições do consumismo e da grosseira perversão de valores que ele engendra, só se pode concluir que o seu apoio se baseia no interesse que obviamente serve: o parasitismo. Isto, é claro, não dispensa o economista do dever de identificar os erros particulares de cada argumento consumista. Tal, no entanto, desqualifica cada consumista como um economista. Nenhum cientista, em nenhuma disciplina, pode aceitar a visão de que a realidade é irracional ou que a acção irracional é necessária para com ela lidar.

Aqueles economistas dos nossos dias que aberta e desafiadoramente proclamam que o mundo económico é "não-euclidiano", fazem-no com felicidade. Essa é a maneira de como eles gostariam que o mundo económico funcionasse. Se eles simplesmente acreditassem que a vida económica parecia ser irracional, e não desejassem, em simultâneo, que ela fosse irracional, nunca iriam proclamá-la como se de facto assim fosse. Em vez de saltarem em apoio do consumismo após a mais casual das análises na matéria que é a sua, eles não descansariam até que tivessem identificado os erros que poderiam fazê-los acreditar que a vida económica possuía a aparência da irracionalidade; e quanto maior essa aparência pudesse ser, maior perceberiam ser a sua própria ignorância, e mais arduamente iriam trabalhar para superá-la e expor os erros subjacentes. É isso que distingue um economista de um Lord Keynes.

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