sábado, 15 de junho de 2013

França: num beco sem saída?

Num célebre discurso pronunciado em Londres durante o exílio, a 1 de Março de 1941, Charles De Gaulle, aquele que viria a ser presidente da França durante 10 anos, depois de ter liderado o processo que conduziria à formação da V República, diria: "Il y a un pacte vingt fois séculaire entre la grandeur de la France et la liberté du monde." Esta auto-atribuída missão, assumida pelos sucessivos dirigentes máximos franceses, de "distribuir" a liberdade pelo mundo ao mesmo tempo que perseguiam "la grandeur", remonta a Napoleão e, portanto, à revolução de 1789. Sucede que, desde Waterloo, "la grandeur" se vem progressivamente reduzindo a uma recordação do passado ainda que, de quando em vez disfarçada pela inauguração de um "Beaubourg", de uma pirâmide, de um museu ou de um novo "Arco" na capital do Hexágono. A já secular hipertrofia estatista francesa exacerbou-se durante os 14 anos de François Miterrand e os incapazes Chirac e Sarkozy que lhe sucederam pouco mais fizeram que gerir o legado. Deste modo, a herança que François Hollande recebeu era bem pesada, mas o ano que passou em nada a aliviou. Pelo contrário. 

Foto retirada daqui

David Howden and Jacques Briam, em France’s Cul-De-Sac, percorrem as medidas económicas tomadas por Hollande no primeiro ano do seu mandato e explicam por que razão elas não apenas não são adequadas como, pelo contrário, agravam a já difícil situação do paciente. Em particular, notam a ironia de o país mais entusiasta da criação do euro ser agora "vítima" da moeda única, ao não querer ajustar-se às restrições que decorreriam do passo tomado. Terminam o artigo enunciando as linhas de política necessárias ao retorno do crescimento económico saudável. A tradução, como habitualmente, é da minha responsabilidade.
Há aproximadamente um ano atrás, em plena crise económica, François Hollande comemorou a sua vitória sobre Nicolas Sarkozy nas eleições presidenciais francesas. Hollande tornou-se no líder de um país sob forte turbulência económica. Durante o ano que passou, ele teve rédea relativamente livre para levar a cabo a sua agenda económica, uma vez que o Partido Socialista que lidera tem a maioria no parlamento francês.

A França tem uma história de despesa estatal grandiosa, mesmo se avaliada pelos padrões europeus. A despesa pública ascende a 57% do produto nacional enquanto a dívida pública representa mais de 90% do PIB. Embora a austeridade tenha sido a palavra da ordem na Europa desde 2009, daí resultando um modesto declínio da despesa pública em percentagem do PIB, a França não faz parte dessa tendência.

O sector público representa hoje quase dois terços toda a actividade económica directa (e até mais, se se incluir a actividade indirecta). Esta grande e crescente dependência do estado é desastrosa porque é financiada por impostos cada vez mais elevados. Estes altos impostos drenam o sector privado (e em simultâneo conferem ao sector público uma aura de impotência) e a despesa sob défice [financiada através de empréstimos] obriga as futuras gerações de cidadãos franceses a pagar a generosidade do governo de hoje.

Profundamente embrenhada na psique francesa está a ideia de que cortes no gigantesco sector público causariam sérios danos a todos. Esta incapacidade de imaginar uma economia francesa onde o sector privado preenchesse o espaço deixado livre por uma menor prestação de serviços públicos, reforçou a relutância dos políticos e, em particular, de François Hollande, para recorrer a medidas de austeridade para ultrapassar a crise. Em vez disso, a solução actual consiste em aumentar a despesa do estado e em criar mais postos de trabalho no sector público. Dessa forma, a administração de Hollande prometeu aumentar o salário mínimo para todos os trabalhadores, públicos e privados, e criar 60 mil novos empregos para professores.



Para além dos acréscimos de hoje nos gastos públicos, Hollande comprometeu-se a levar a cabo aumentos futuros na despesa pública. A sua decisão de revogar a iniciativa de Sarkozy, que aumentava a idade reforma dos 60 para os 62 anos, obriga os contribuintes não apenas a pagar as florescentes fileiras de funcionários públicos que "trabalham" ["working", no original] hoje, como o número crescente de reformados da função pública sustentados pelas generosas prestações da segurança social.

Na tentativa de combater a subida das taxas de juro sobre os títulos da dívida pública, o governo francês iniciou recentemente uma campanha para aumentar os impostos em ordem a financiar o crescimento explosivo da despesa. De facto, uma das principais promessas eleitorais de Hollande foi a da criação de uma taxa máxima de imposto de 75% sobre os chamados ricos (pessoas com rendimento anual acima de 1 milhão de euros).

A França tem uma das maiores taxas de imposto sobre as empresas na União Europeia, superando mesmo as famosas taxas da Suécia. Embora a taxa média de imposto da União Europeia tenha vindo a diminuir (de cerca de 50% em 2005 para aproximadamente 44% em 2012), a taxa de imposto da França manteve-se constantemente elevada (acima de 65%, de 2005 a 2012).

Para além das altas taxas de imposto, as empresas francesas enfrentam os encargos sociais mais elevados da União Europeia, bem como uma regulamentação estatal opressiva. Estes factores produzem um ambiente para os negócios bem pouco atractivo. Recentemente, várias empresas de grande dimensão preferiram fechar as portas em vez de tentar lidar com as difíceis condições de condução dos negócios, daí resultando a perda de milhares de empregos. Num tal clima, é lento o surgimento de novas empresas.

Em resposta à ameaça de impostos franceses mais elevados, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, ofereceu-se para "estender a passadeira vermelha" a todos os franceses de rendimento elevado que pretendessem evitar o pagamento dos impostos franceses. É claro que seríamos ingénuos se pensássemos que Cameron foi motivado por algo mais do que pela atracção do dinheiro dos impostos para os seus próprios depauperados cofres. O resultado, contudo, foi a competição fiscal entre estados.

Antes do advento da União Monetária Europeia, os países altamente endividados procuraram resolver os seus problemas fiscais através de políticas inflacionárias. A França retirou essa opção da mesa quando adoptou o euro. Com efeito, como Philipp Bagus demonstra no seu livro "A Tragédia do Euro", foram os franceses que, de forma agressiva, pressionaram pela integração monetária na Europa. Devem agora aderir às consequências desta decisão.

A união monetária funciona de certo modo como um padrão-ouro moderno. Tal como, em tempos, o ouro impedia os estados de manterem prolongados défices correntes, hoje, a perda de uma política monetária independente restringe os estados da zona euro de um modo similar.

Sem recorrer a uma política monetária inflacionária, o governo francês está à mercê do mercado de títulos. Como os credores se preocupam com a capacidade do estado francês em pagar as dívidas contraídas, agora e no futuro, as taxas de juros irão subir (como já está a suceder). O governo francês terá de ter mão no défice quer reduzindo a despesa quer aumentando a receita à medida que o custo de financiamento subir. O sector privado é já uma minoria muito sobrecarregada e, dado o actual êxodo de empresas e empresários franceses para outros países, quaisquer novos impostos seriam provenientes de uma base contributiva que já se vem estreitando.

Como muitos dos seus homólogos, Hollande compreende que a sitiada economia francesa necessita mudar. O que ele deve fazer é concentrar-se nas áreas que ele pode mudar. Deve diminuir a despesa pública e baixar os impostos de modo a aumentar o emprego. Além disso, deve ser permitido ao sector privado que cicatrize as suas feridas e recupere, em vez de ser tratado como um ganso à espera de ser depenado. Esta é a única maneira para o governo francês poder continuar a funcionar, e, mais importante, a única maneira de retirar a França do beco económico sem saída.

1 comentário:

Vivendi disse...

Bom post.

Já fizeram o estudo do impacto da dívida no crescimento... para quando um estudo do impacto do peso do estado no crescimento?

Nenhum estado deveria representar mais de 30% da economia de um país. O meu ideal é abaixo de 20%.