quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Grande Recomeço II


Koos Jansen – E a China apoia essas ideias para uma reforma monetária?
Willem Middlekoop – Como já referi, o governador do banco central chinês defendeu todo um novo sistema monetário em 2009. Ele explicou que os interesses dos EUA e dos outros países deveriam estar alinhados, o que não acontece na presente situação. Zhou Xiaochuan advogou o desenvolvimento dos SDR numa “moeda de reserva supra-soberana desligada de nações individuais e que fosse estável no longo prazo.”
De acordo com alguns peritos, o FMI precisa de mais cinco anos para preparar o sistema monetário internacional para a introdução dos SDR à escala global. Outros, todavia, questionam-se se teremos o luxo de um horizonte de cinco anos.
O facto de a China ter deixado de comprar dívida americana em 2010, estando a aumentar as suas reservas de ouro, diz muita coisa. Responsáveis chineses indicaram que a China quer atingir, no mais curto espaço de tempo, as 6 mil toneladas para preparar a transição para a nova fase do sistema monetário. Para além disso, um recente artigo da Bloomberg sugere que o Banco Popular da China e investidores privados já acumularam mais de 4 mil toneladas desde 2008. Os chineses parecem ter receio de que os EUA surpreendam o mundo com uma revalorização das suas reservas de ouro. Considere-se também o telegrama que o Wikileaks publicou da embaixada americana em Pequim em 2010. A mensagem enviada para Washington relata as notícias do Shangai´s Busines News acerca das consequências de uma desvalorização do dólar e prossegue: “se usarmos todas as nossas reservas para adquirir obrigações americanas, então no dia em que a FED anunciar que dez dólares passam a valer apenas um, ainda que esse novo dólar esteja ligado ao ouro, seremos surpreendidos e sem reacção.”
KJ – Consegue explicar a paixão dos chineses pelo ouro?
WM – Eles sabem, até pela sua própria história, que o ouro tem sido usado uma e outra vez para reconstruir a confiança quando um sistema de papel-moeda chega ao seu fim. Como o próprio Koos deve saber, o principal jornal académico do Comité Central do Partido Comunista publicou um artigo em 2012 que lança alguma luz sobre a sua estratégia relativa ao ouro e o que pensam relativamente ao seu papel monetário. O artigo [traduzido em exclusivo por In Gold We Trust] foi escrito por Sun Zhaoxue, presidente da China Natural Gold Corporation e da China Gold Association, onde diz que: “aumentar as reservas de ouro deve tornar-se o pilar central da estratégia de desevolvimento do nosso país. O estado precisará de elevar o estatuto do ouro para se tornar um recurso estratégico como o petróleo e a produção de energia. Temos de alcançar o nível mais elevado de reservas de ouro no mais curto espaço de tempo. O investimento individual em ouro é também uma componente importante na construção das reservas chinesas, por isso devemos encorajar esse investimento.
De acordo com a minha pesquisa, os chineses estão na fase final para atingir as 6 mil toneladas e querem, claramente, chegar às 10 mil antes de 2020. Essa quantidade faria com que os chineses estivessem a par com os EUA e a Europa relativamente à ratio ouro/PIB. Isso poderia encorajar um apoio mais alargado (dos EUA + EU + China) para as mudanças que se avizinham, como os SDR do FMI. Isto sem esquecer que a Rússia também poderia alinhar, já que adquiriu para cima de mil toneladas desde 2008.
KJ – A China e o Japão têm os mesmos problemas relativos à dívida como têm os países ocidentais?
WM – De acordo com John Mauldin, a China ainda é mais dependente da impressão de dinheiro que os EUA ou o Japão. Apesar das reservas financeiras de 4 mil biliões, a China confronta-se com um problema considerável de dívida, após o seu sistema bancário ter acumulado colateral no valor de 14 triliões entre 2008 e 2013. As antigas lideranças do PC chinês ainda se lembram como conseguiram alcançar o poder e foi, precisamente, por causa dos problemas monetários entre 1937 e 1949. O seu principal objectivo é evitar desacatos sociais generalizados como aconteceu durante o período de hiperinflação depois da Segunda Guerra Mundial.
KJ – O que sabem os chineses acerca da Guerra ao Ouro?
WM – O mesmo Sun Zhaoxue explicou em 2012 que: “depois da desintegração do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o padrão-ouro que se usou por quase cem anos colapsou. Sobre a influência da hegemonia do dólar americano, o efeito estabilizador do ouro foi posto em causa. A argumentação de que o ouro é inútil espalhou-se, então, pelo globo. Muitas pessoas pensam que o ouro não é mais a base monetária e que armazenar ouro iria aumentar o custo das reservas. Por isso é que os bancos centrais começaram a vender as suas reservas e os preços começaram a baixar. Neste momento, há muitas pessoas a perceber que essa argumentação contém muitas falácias. E o ouro sofre de estar sob o efeito de uma cortina de fumo mantida pelos EUA – que tem 74% das reservas oficiais de ouro – para manter um tecto sobre as outras moedas e garantir a manutenção da hegemonia do dólar. E também explicou como os EUA estão a desvalorizar a sua moeda para aliviar alguma da sua dívida: “a elevação do dólar e da libra, e depois do euro, de uma moeda com circulação num só país para uma moeda global ou regional foi suportada pelas reservas de ouro. Um dado relevante é que, desde a recente crise financeira, os EUA ainda que mostrem um défice crescente não venderam nenhum do seu ouro para aliviar a sua dívida. Num contraste flagrante com a depreciação do dólar americano, o preço internacional do ouro continuou a aumentar acabando por ultrapassar os 1900 dólares/oz em 2011, ou seja, a preservação do activo ouro contrasta claramente com a desvalorização dos activos baseados no crédito. Naturalmente que quanto mais desvaloriza o dólar, mais aumenta o preço do ouro e mais evidente é a função das reservas americanas de ouro como defesa face ao risco no crédito.”
Outra prova do conhecimento chinês da Guerra do Ouro e da limitação do seu preço está noutra mensagem que o Wikileaks publicou: “os EUA e a Europa têm limitado o aumento do preço do ouro. Eles pretendem suprimir a função do ouro como reserva monetária e não querem que os outros países apostem na construção das suas próprias reservas de ouro em vez do dólar ou do euro. Por conseguinte, esta limitação no valor é muito benéfica para os EUA e para o dólar como reserva monetária internacional. O aumento das reservas de ouro chinesas vai actuar como modelo e liderará o esforço de outros países no investimento em ouro. Em conclusão, grandes reservas de ouro serão benéficas na promoção da internacionalização do renminbi.”
Não esqueçamos que o edíficio Chase Manhattan Plaza pertencente à J.P. Morgan possuindo os maiores cofres privados do mundo – em frente do edíficio do New York Federal Reserve Bank – foi comprado por chineses. Isto parece indicar que, talvez, os EUA e a China estejam a trabalhar em conjunto na preparação de um novo sistema monetário global e, junto com a Europa, estejam a  preparar-se para os SDR do FMI com as suas reservas e o sistema-dólar pode ser substituído mais facilmente.




A entrevista continua e publicaremos as restantes partes em breve. Para já, atentemos em algumas ideias importantes:
- são perceptíveis os sinais de que o sistema monetário actual não é saudável e não responde às necessidades de uma boa parte dos novos agentes nesse sistema – sejam as economias emergentes ou outros agentes mais consolidados – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul;
- a China, que enfrenta problemas semelhantes aos das economias ocidentais (intensa produção monetária,  bem como de liquidez/crédito no seu sistema bancário), quer assumir-se como modelo para as economias emergentes na preparação da transição para um novo sistema monetário internacional, nomeadamente na reestruturação das suas reservas;
- essa reestruturação passa por dar lugar central e estratégico ao ouro (a par do petróleo e da produção energética);
- mesmo nas sedes do actual sistema (FMI, Banco Mundial e ONU) vão-se acumulando vozes que lembram a necessidade de corrigir os erros e apontar alternativas para responder aos anseios partilhados por maior segurança, estabilidade e justiça no sistema monetário e financeiro internacional.

A definição de uma posição de força e relevância no xadrez mundial pode fazer-se através da projecção de poder militar – de que os Estados Unidos são exemplo evidente. Mas alguém duvida que a afirmação dessa força e dessa relevância também passa pelo posicionamento e influência exercida no seio de um novo sistema monetário mundial?

2 comentários:

SAC disse...

Boa tarde LV,
Este assunto OURO, de facto leva-nos quase que inadvertidamente a um buscar de saber quase que sôfrego.
A entrevista a Willem Middelkoop deveria ser obrigatória no mainstream nacional, mas...
A paixão "cega" dos chineses, mais acentuada hoje em dia, por este metal precioso não é cândida e o futuro, sooner or later, dar-nos-á a resposta.
Chamava a sua atenção para o link seguinte: http://www.arlloufill.com/index.php?id1=15&id2=10&id3=56, apenas e só porque a China não está sozinha nesta questão.
É um singelo artigo, mas que marca um olhar diferente para uma mesma realidade.
Cumprimentos

LV disse...

@SAC,
Boas tardes. O artigo, que desde já agradeço a referência, é um bom indício da procura indiana que tem muitos e muitos anos.
Considere o seguinte: a China ocupa o primeiro lugar na importação (como já fiz referência), apenas porque o governo indiano bloqueou de várias maneiras a importação e a compra de ouro durante grande parte de 2013. Consequências? Algumas delas são as seguintes:
- quebra acentuada da rupia;
- aumento exponencial do contrabando de ouro - há relatos de que diariamente aterravam num aeroporto (de que não lembro o nome neste momento) indiano vários passageiros com um kilo (em média) cada um!
Bastou conhecer-se no início da semana que o governo indiano iria aliviar essas limitações e começou a traduzir-se na subida de preço que temos verificado nos dois últimos dias.
Saudações,
LV