quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Segurança Social: um "excedente" largamente deficitário

Défice fica abaixo do previsto à custa do excedente na Segurança Social. A RTP, antecipando a anunciada "independência à la BBC", acrescenta mesmo que "[a] imprensa económica desta manhã avança que o défice vai ficar abaixo do previsto à custa do excedente registado nas contas da Segurança Social" (itálico meu).

Atente-se então, ensaiando ilustrar a diferença entre os verbos "olhar" e "ver", à execução orçamental da segurança social hoje divulgada cujo quadro resumo reproduzo abaixo. Subtraindo a linha da "receita efectiva" da "despesa efectiva", obtemos o saldo de "caixa" (não esquecer que nesta contabilidade nada se inclui quanto às responsabilidades futuras dos actuais reformados...) que, em 2013, resulta da operação aritmética, em milhões de euros (M€):

25.336,5 - 24.857,9 = 478,6 (M€) de "excedente" (+47,1 M€ que em 2012).

Com isto, conjugámos o verbo "olhar". Tentemos agora "ver" respondendo à pergunta: como foi conseguido um tal "brilharete"? A resposta é simples: pelo aumento das transferências do Orçamento do Estado de 8,4%  (750,7 M€) face ao ano transacto. Excedente?

Que dizer então do resultado do cálculo do saldo entre contribuições e quotizações e as pensões (de velhice, sobrevivência, invalidez e antigos combatentes)?:

13.413,9 - (15.295,9 + 506,5) = - 2.388,5 M€

verba indicativa do défice do financiamento das pensões da segurança social se cometermos o "esquecimento conveniente" que, para além das pensões, as contribuições e quotizações para a segurança social se destinam também a financiar a acção social, o subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção, o subsídio de doença, etc., etc (para uma desagregação mais fina das receitas e despesas consultar a página 58, quadro 10, da síntese de execução orçamental hoje divulgada.). Excedente? Não! Antes, uma mistificação gigantesca de um esquema piramidal cada vez mais insustentável. Esta é o resultado iniludível do exercício de "ver".

1 comentário:

LV disse...

A mistificação é gritante. Aliás a expressão MOPE (Management Of Perceptions Economics) é exemplar do que se trata, afinal: gerir as percepções (e, por conseguinte, as expectativas) de todos os agentes do sistema. Para que o processo continue sem sobressaltos. Ou sem que as pessoas possam "ver" o que está para vir. E há outros exemplos: como é possível que ainda se defenda que, depois das manipulações contabilísticas, as contas do ano transacto sejam dadas como o espelho da "viragem"?
Se as contas estão purificadas de rubricas graves, sujeitas a versões diferentes consoante a entidade que as vá certificar…
Caso o estado fosse uma empresa cotada (em bolsa e num mercado livre) alguém no seu perfeito juízo compraria as suas acções? Alguém investiria numa entidade com operações e balanços sombrios?
Ainda assim essa gestão de percepções está a funcionar: o aforro individual em certificados do tesouro parece estar a aumentar… fantástico.