quarta-feira, 19 de março de 2014

A Grande Guerra 1914-1918 – Algumas notas e fragmentos (VI)


Retomando o tema da Iª Grande Guerra, publicamos o testemunho de David Stockman. Este texto é apenas uma pequena parte de um ensaio maior (ver título no final) que o autor elaborou e publicou na sua mais recente plataforma de comunicação. Não podemos deixar de recomendar a visita e a leitura de tão rico espaço de reflexão, que conta também com contributos de John Butler, Michael Krieger, Detlev Schlichter e Mike "Mish" Shedlock, entre outros.

Retomam-se as relações já experimentadas (aqui) na tentativa de dirigir a atenção às raízes dos actos da peça que ainda hoje pautam a nossa vida colectiva.
A Grande Guerra e o seu legado, por David Stockman

"O meu propósito aqui é elaborar um esboço do que foi a longa história da Iª Grande Guerra, começando, precisamente, há cem anos. Nesse mesmo ano, a Reserva Federal (FED) abria as suas portas enquanto a carnificina decorria no norte de França, o que acabou por encerrar um período de meio século de liberalismo internacionalista e de dinheiro honesto suportado pelo ouro.

A Grande Guerra era, por si própria, uma calamidade histórica, especialmente pelos 20 milhões de combatentes e vítimas civis que pereceram por razão nenhuma que seja compreensível numa leitura justa da história. Ou até por injusta que fosse. Apesar disso, a maior tragédia que resultou desta luta fratricida de 1914-18 foi o ter possibilitado o nascimento de grandes males do século XX – a Grande Depressão, genocídios totalitários, economia keynesiana, máquinas de guerra estatais permanentes, a proliferação de bancos centrais e os disparates imperialistas alicerçados no excepcionalismo da América.

David Stockman
De facto, à maneira do Antigo Testamento, uma coisa foi gerando a outra e ainda a seguinte. Esta cadeia de calamidades teve origem na destruição do dinheiro honesto com a Grande Guerra, isto é, no declínio da libra após o conflito. Compreendamos que a libra não sofria mudanças no seu conteúdo metálico (ouro), aproximadamente, há duzentos anos.

Não sem fundamento, o sistema financeiro mundial tinha encontrado âncora no mercado monetário londrino, onde outras moedas eram negociadas com uma taxa de câmbio fixa à sólida libra esterlina. Isto traduzia-se, por sua vez, em preços e salários denominados em moeda comum por toda a Europa, o que favorecia a transparência e o equilíbrio.

Este panorama económico liberal – assente em dinheiro honesto, comércio relativamente livre, movimentos de capitais crescentes e rápida integração económica global -, resultou num período de 40 anos (1870 a 1914 aprox.) em que se registaram: melhoria do nível de vida, estabilidade de preços, largos investimentos de capital e progressos tecnológicos intensos. Talvez não se encontrem resultados paralelos noutro período, antes ou depois.

Durante os intervalos de guerra e nos calores do conflito, os governos no século XIX tinham suspendido a convertibilidade do ouro e o comércio livre. Mas quando os canhões se silenciavam, todos esses governos suportaram o trauma das depressões pós-conflito até as dívidas de guerra terem sido liquidadas e os expedientes monetários inflacionários eram suspensos. A isto se chamava “retoma” e restaurar a convertibilidade (relativamente ao ouro – nt) dos períodos de paz era o grande desafio de estabilização do pós-guerra.

A Iª Grande Guerra, todavia, envolveu uma mobilização industrial a uma escala tal, um caos financeiro de tal magnitude que não era comparável a nenhum episódio passado. No caso da Grã-Bretanha a sua dívida aumentou catorze vezes, o seu nível de preços duplicou, as suas reservas de capital desapareceram, a maior parte dos investimentos no estrangeiro foram suspensos ou liquidados e a conscrição universal traduziu-se em responsabilidades humanas e financeiras incontornáveis.

Apesar disso, a Grã-Bretanha foi a menos devastada. Em França, o nível de preços aumentou 300%, os seus investimentos russos foram confiscados pelos Bolcheviques e as dívidas para com Londres e Nova Iorque elevaram-se a mais de 100% do PIB.

Entre os poderes derrotados, as moedas emergiram sem valor praticamente nenhum – o marco alemão a valer cinco cêntimos face ao dólar -, enquanto que as dívidas de guerra, especialmente depois da paz acordada em Versailhes, atingiram grandezas esmagadoras e impossíveis de saldar.

Resumindo, a onda bojuda de dívida, a inflação monetária e a desordem financeira da Iª Grande Guerra era tão grande, e sem precedentes, que o projecto clássico de “retoma” da convertibilidade e liquidação pós-conflito estava destinada a falhar. De facto, os anos 20 foram um esforço e uma luta prolongada, ainda que por vezes inspirada, de recuperar o padrão-ouro internacional, as paridades fixas, o comércio livre e os movimentos de capitais sem restrições. No crepúsculo destes esforços após 1929 é que a Grande Depressão, que tinha estado à espreita desde as sombras do pós-guerra, emergiu plenamente no palco da história.”
DAS, Keynesian Myths, Monetary Central Planning and The Triumph of The Warfare State – Part 1

3 comentários:

floribundus disse...

o gringo hussein tem papel-moeda
Putin além de ouro tem ouro-negro

'siga o enterro'

dizia-se que um candidato a governador de Sum Paulo nos anos 50 tinha como slogan 'Ademar rouba mas constrói'

num comício disse que nas calças só havia dinheiro honesto

terá recebido como resposta
'Ademar tem calças novas'

Eduardo Freitas disse...

Caro LV,

É de facto um acontecimento maior a entrada na cena comunicacional regular por parte de David Stockman e sus amigos, um dos quais, Detlev Schichter, tinha retomado recentemente o seu blogue, o que se saúda com efusão.

The Great Deformation é um livro essencial para se perceber a degenerescência do sistema monetário americano e, por consequência, também mundial.

Boas notícias, pois!

Saudações

Eduardo Freitas

LV disse...

Eduardo,

De facto as novidades são de tal magnitude e riqueza que os dias deveriam ter 48 horas para as poder estudar, experimentar e viver.

No caso de David Stockman, espantou-me mais a avaliação que fez do seu percurso (e por conseguinte das ideias que consolidou), do que o balanço e a descrição que faz. Mas é bom não esquecer que a sua visão "vem de dentro" dos meandros da política económica, dos corredores da discussão e da decisão. Presumo que tenha sido forçado a abandonar algumas dessas reuniões nos anos mais recentes.

Saudações cúmplices,
LV