quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A propósito

"Os fundamentos dos mercados acabam por estar comprometidos após tanta intervenção”


Aproveitando o mote da Conferência promovida pelo Instituto Ludwig von Mises Portugal e a disponibilidade de algumas das pessoas que estiveram presentes, foi possível levar a cabo a entrevista que a seguir se apresenta. Procurou-se, não só marcar o momento importante da chamada pela Liberdade, mas também registar algumas reacções às ideias e argumentos explorados ao longo da Conferência.
Agradeço, em nome da equipa do Espectador Interessado, a disponibilidade de André Campos para partilhar aqui as suas impressões e a ideia de que é intenção do ILvM promover, num futuro próximo, mais iniciativas como esta.

LV – Quais foram os objectivos da conferência organizada pelo Instituto Ludwig von Mises Portugal no passado dia 1 de Novembro?
André Campos (AC): No fundo, o Instituto Ludwig von Mises Portugal (ILvM) já existe, de forma oficiosa, há cerca de três anos. Contudo, nesse molde, estávamos limitados a pequenas iniciativas esporádicas. Recentemente surgiu um interesse por parte de algumas pessoas, nomeadamente o Guilherme Marques da Fonseca e o Alexandre Mota, além de mim próprio e outros que se juntaram a nós, em oficializar o ILvM e traçar metas mais ambiciosas. Queríamos dar expressão aos ideais do Liberalismo Clássico e da Escola Austríaca da melhor maneira e esta II Conferência do Liberalismo Clássico – Call for Liberty foi o pontapé de partida de um conjunto de iniciativas que o ILvM está a pleanear para 2014/2015.

LV – Do conjunto das intervenções e das ideias apresentadas quer destacar alguma?
AC: Achei que, de uma maneira geral, os temas eram muito interessantes e pertinentes considerando o momento actual. Apreciei todas as intervenções e creio que o importante foi a mensagem subjacente de liberdade, propriedade e paz. Hoje em dia existe uma tendência generalizada para a desresponsabilização pessoal, substituindo-se o papel do indivíduo pelo estado, ou seja, pelo colectivo. Olhamos para o estado como solução para quase tudo e nesse processo perde-se aquele que é, por definição, um dos direitos fundamentais, natural e inalienável, do ser humano: a liberdade. É essa a tendência que iremos tentar contrariar através do nosso trabalho no ILvM.
Posto isto, e para referir alguém em particular, confesso que fiquei muito agradado com a excelente intervenção do José Bento da Silva no painel acerca do Impacto das Finanças Públicas nas empresas. Não o conhecia bem antes desta conferência, ao contrário de todos os outros palestrantes, e achei que, juntamente com o André Azevedo Alves, tiveram intervenções muito interessantes.
Quanto às ideias apresentadas, creio que o desmascarar das falácias Keynesianas é sempre fulcral. Há tanta gente que ainda adere às vetustas ideias – precisamente os ensinamentos de Keynes - que contribuíram para o estado de sítio que se vive nas economias desenvolvidas e no sector financeiro actualmente. Por outro lado, foi também muito bom que se pudesse introduzir o tema da “Guerra contra as drogas” por parte do meu companheiro Guilherme Marques da Fonseca. É uma daquelas questões que remetem muito para a liberdade individual e uma discussão séria nesse sentido é sempre algo a que não podemos virar a cara.

LV – Daniel Lacalle traçou um cenário muito pormenorizado da realidade económica e financeira mundial, dada a sua experiência como gestor de fundos de risco. Acompanha a descrição feita quanto à subida nos mercados bolsistas e consequentes volatilidades nas paridades monetárias?
AC: Antes de mais devo adiantar que não sou analista financeiro ou gestor de fundos, sou apenas uma pessoa interessada na matéria e com ligações ao ramo através de outras funções. Dito isto, creio que os mercados bolsistas ainda têm espaço para subir no curto/médio prazo, mas estou bastante preocupado com o longo prazo.

Esta é uma preocupação ignorada pelas gerações mais recentes de economistas que aderem ao mote de Keynes, “no longo prazo todos estamos mortos”. No fundo, tanto a subida dos mercados bolsistas como o a volatilidade nas paridades monetárias estão, creio, relacionadas com a acção concertada de alguns dos maiores bancos centrais mundiais, que adoptaram medidas de política monetária “não-convencionais”. Estas medidas passam pela expansão dos seus balanços através da compra de activos e a escala a que estas operações foram levadas a cabo em anos recentes é algo sem precedentes na nossa história. Aliando estas políticas a taxas de juro mantidas artificialmente próximas de zero, cria-se um cocktail perigoso que é um dos grandes responsáveis pelos ciclos de boom&bust, ou seja, a formação de bolhas no sistema financeiro como as de 1999 e 2007/2008. Esta expansão artificial do crédito, como já indicava Ludwig von Mises, dificilmente será sustentável no longo prazo e os efeitos das bolhas deverão tornar-se cada vez mais violentos no futuro. Essa é a principal razão que me leva a olhar para o longo prazo com tanta desconfiança. Em conclusão, saliento novamente a ideia de que a perda de liberdade individual e a constante intervenção estatal e dos bancos centrais, evidentes nas interferências que apontei, são os grandes responsáveis pela nossa situação.
Daniel Lacalle

LV – Conclui que a crise está ultrapassada?
AC: Não, de todo. O modelo actual em que assentam a maioria dos estados é muito complexo, pesado e dispendioso de manter. Temos castrado o crescimento económico à custa de políticas de intervenção dos estados que não geram qualquer riqueza e ainda se alimentam de recursos que deviam estar canalizados para gerar riqueza. Considerando a situação de Portugal, fez-se um trabalho importante de “reestruturação light” da dívida e ajustou-se o lado da receita, mas o lado da despesa foi muito muito mal abordado. Perdeu-se uma oportunidade importante de alterar o papel do estado nas nossas vidas, em particular nas relações económicas. Continuamos, infelizmente, a ter um estado pesadíssimo, burocrático, omnipotente e omnipresente em quase todos os aspectos do dia a dia. Ademais, o nosso país não teve um único superavit orçamental desde 1974 e teve uma balança comercial desfavorável tempo demais. Tudo isto aliado a políticas de investimento público irresponsáveis, e em alguns casos a roçar o criminoso, deixou-nos nas mãos da boa vontade dos nossos parceiros europeus e hipotecou o nosso futuro. Confesso que as gerações de políticos do pós-25 de Abril devem muitas explicações às gerações mais novas e àqueles que ainda estão para vir.

LV – No período de perguntas e respostas, Daniel Lacalle pareceu evitar dar uma resposta directa e esclarecedora acerca do mercado dos metais preciosos. Concorda? Como vê a recente dinâmica nos preços dos metais?
AC: Concordo e percebo a posição do Daniel Lacalle. As variáveis em jogo são muitas e traçar um quadro preciso é muito difícil. Hoje em dia os fundamentos dos mercados acabam por estar comprometidos após tanta intervenção, as decisões de investimento são tomadas com base em pressupostos falaciosos e isto também se aplica aos metais preciosos. Se olharmos aos mercados de “papel” (Futuros, ETFs, etc), o desempenho dos metais preciosos tem sido francamente desapontador. No entanto, existem indicadores muito positivos nos mercados de metais preciosos físicos e este ano bateram-se, novamente, recordes de venda das moedas de prata cunhadas pela US Mint – as American Silver Eagle. Por outro lado, as transacções na SGE (Shangai Gold Exchange) continua a crescer, bem como as compras por parte de alguns bancos centrais, como é o caso do PBC (People’s Bank of China) e o CBR (Central Bank of Russia). Para compreender melhor o que se passa também não podemos ignorar a investigação do regulador alemão (BAFIN) ao sector dos metais preciosos do Deutsche Bank, bem como a culpa assumida pelo UBS relativamente às irregularidades encontradas nos seus negócios de metais preciosos.
A recuperação das economias desenvolvidas tem sido muito ténue e assente numa base insustentável e os países de maior potêncial para crescer (os BRICS) têm feito diligências no sentido de colocar em causa a hegemonia do dólar em transacções fulcrais como o caso do petróleo. Em particular no caso chinês e russo, decisões recentes apontam no sentido de fortalecimento da credibilidade das suas moedas por forma a ganhar a confiança de agentes económicos para as utilizar em grandes transacções comerciais. Esta tendência é recente e ainda não surtiu efeitos concretos, mas é algo a ter em atenção no futuro. Finalmente, não podia deixar de referir as questões de instabilidade geopolítica um pouco por todo o mundo e que costumam ser um tónico para o preço dos metais preciosos. Em conclusão, estou em crer que devemos estar perto do bottom final do preço dos metais preciosos e que as boas notícias deverão voltar aos metais preciosos ainda em 2015, principalmente na segunda metade do ano.

LV – Que balanço faz desta iniciativa do Instituto Ludwig von Mises Portugal?
AC: O balanço é claramente positivo, batemos o recorde de presenças em eventos relacionados com o liberalismo clássico e escola austríaca. Mais de 200 pessoas passaram pela Universidade Católica do Porto e a qualidade dos oradores marcou a diferença. Por outro lado, os apoios importantes que conseguimos reunir, nomeadamente, da ELSA (European Law Students Organization), Atlas Network, Causa Liberal e SFL (Students for Liberty) foram cruciais e o futuro só deixa antever um crescimento do alcance do ILvM no nosso país. Assim o espero e trabalhamos para isso diariamente.

LV – Já há calendário para novas iniciativas?
AC: Ainda não posso, em concreto, apontar datas. Recentemente, lançámos, na nossa página da internet, a iniciativa “Mises Responde”. Através dela tentamos esclarecer dúvidas a partir da perspectiva da escola austríaca, por forma a consciencializar e sensibilizar os leitores para as suas ideias e respostas. Reformulámos o próprio site do ILvM para acomodar novos conteúdos que vamos produzindo, sempre de forma totalmente gratuita. Quanto a outras iniciativas, estamos a preparar uma grande conferência para 2015. Posso, desde já, adiantar que será em Lisboa e temos ainda planeado o lançamento de um ciclo de seminários acerca da Escola Austríaca. Anunciaremos as datas, locais e oradores muito em breve.



Breve apresentação do entrevistado: André Campos, nascido em Penafiel em 1984. Licenciou-se em Ciências Empresariais pela Universidade Fernando Pessoa e frequentou o Mestrado em Administração Integrada de Empresas da Universidade de Vigo. É Director na empresa Elementum Portugal, um bullion trader nacional. Liberal Clássico Minarquista na tradição de Ludwig von Mises e da Escola Austríaca. É casado e vive no Porto.

De seguida, recupera-se um programa (de Junho de 2013) no qual André Campos tem a oportunidade de explorar com detalhe outros temas, nomeadamente, os princípios que organizam o mercado dos metais preciosos e estratégicos, bem como apresenta a natureza dos produtos disponíveis para investimento em metais no mercado nacional.



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