terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Quem irá dominar o mercado do petróleo?

Tem-se escrito profusamente nestes últimos meses acerca das razões que explicam o porquê da vertiginosa queda nas cotações do petróleo nos últimos meses. Abundam, em particular, interpretações conspiratórias ligadas à geopolítica e a estratégias predadoras tendentes a expulsar do mercado os produtores economicamente menos eficientes. Eu talvez esteja enganado mas, pelo menos desta vez, creio que os factores predominantes conjunturais remetem para a actuação das tão desprezadas leis da procura e da oferta. É também essa a opinião de Daniel Yergin, uma das maiores autoridades mundiais em matéria energética, no artigo que publicou recentemente no New York Times e que me propus traduzir. É ainda com um certo gozo, partilhado com Jeffrey Tucker e postumamente com Julian Simon que contemplo mais uma vez em perspectiva as análises das publicações de "referência" como a que se ilustra na imagem seguinte:

23 de Janeiro de 2015
Por Daniel Yergin


Uma mudança histórica de papéis está no cerne do clamor e agitação à volta do colapso dos preços do petróleo, que caíram bruscamente 50% desde Setembro. Durante décadas, a Arábia Saudita, apoiada pelos emiratos do Golfo Pérsico, foi descrita como o “swing producer” [produtor que tem o poder de balancear o mercado - NT]. Com a sua imensa capacidade de produção, ela podia aumentar ou reduzir a sua produção para ajudar o mercado global a ajustar-se aos períodos de escassez ou de sobreprodução.

Mas em 27 de Novembro, na reunião da OPEP em Viena, a Arábia Saudita demitiu-se efectivamente desse papel e a OPEP remeteu toda a responsabilidade pelos preços do petróleo ao mercado, que o ministro saudita do Petróleo, Ali Al-Naimi, previu que "estabilizaria por si a seu tempo". A decisão da OPEP foi quase unânime. A Venezuela e o Irão, cujas economias passam por grandes dificuldades, pressionaram para a introdução de cortes de produção, mas sem sucesso.

Posteriormente, o Irão acusou a Arábia Saudita de levar a cabo uma "guerra do petróleo" e fazer parte de uma "conspiração" contra aquele país. Ao deixar os preços do petróleo ao cuidado do mercado, a Arábia Saudita e os emiratos também passaram a responsabilidade swing producer de facto para um país que não o esperava – os Estados Unidos. Espera-se que esta atitude se mantenha com a subida ao trono do novo rei da Arábia Saudita, Salman, após a morte na sexta-feira do rei Abdullah. E isso significa que as alterações na produção americana terão agora também, em conjunto com as dos produtores do Golfo Pérsico, uma grande influência sobre os preços globais do petróleo.

A América foi em tempos, de longe, o maior produtor e exortador de petróleo do mundo, e o seu swing producer. A Comissão dos Caminhos-de-ferro do Texas determinava os níveis "permitidos" de produção para o Texas, a Arábia Saudita de então. Mas por volta de 1970, a produção de petróleo dos Estados Unidos atingiu um ponto mais alto de 9,6 milhões de barris por dia e daí começou a declinar.
Os Estados Unidos começaram a importar mais e mais petróleo. Até 2008, a sua própria produção de petróleo caiu quase 50% desde aquele pico. Os preços do petróleo chegaram aos 147 dólares por barril, e os temores de que a produção mundial de petróleo tivesse atingido o seu ápice e de que começássemos a ficar sem petróleo generalizaram-se.

Discretamente, todavia, uma revolução no petróleo e gás não convencionais estava a começar a ganhar velocidade nos Estados Unidos. Ela conjugava duas tecnologias: a fracturação hidráulica e a perfuração horizontal. O impacto foi medido primeiro pelo rápido crescimento da produção de gás de xisto, que representa agora cerca de metade do total do gás americano. Este "vendaval de xisto" catapultou os Estados Unidos para à frente da Rússia tornando-se assim no primeiro produtor mundial de gás.

Em seguida, por volta de 2010, as mesmas tecnologias começaram a ser aplicadas com vigor na pesquisa de petróleo. Os resultados foram fenomenais. Nos finais de 2014, a produção de petróleo nos Estados Unidos foi 80% maior do que tinha sido em 2008. O aumento de 4,1 milhões de barris por dia foi maior do que a produção de cada um dos países da OPEP à excepção da Arábia Saudita.
Hoje, a produção americana está quase de volta ao que era em 1970. A isto acresce um ganho de um milhão de barris por dia desde 2008 vindo das areias betuminosas do Canadá. A quimera da "independência energética" começou a parecer mais tangível, pelo menos para a América do Norte.
Esta revolução também acabou por representar um grande impulso para a economia americana - pela criação de emprego e melhoria da posição competitiva do país e pela atracção de mais de 100 mil milhões de dólares de novos investimentos. Raras foram as vezes em que o mercado global de petróleo assistiu a aumentos de produção nesta escala com uma tal rapidez. A última vez que isso aconteceu foi nos inícios de 1980, quando o aparecimento de novas fontes no México, Mar do Norte e Alasca provocou um excedente de petróleo que conduziu a uma queda dos preços.

Desta feita, várias coisas adiaram uma queda de preços. Uma delas foi o crescimento do consumo no mundo em desenvolvimento liderado pela China. Outra foi a turbulência na Líbia, no Sudão do Sul e noutros países que reduziu a oferta. Mais de um milhão de barris por dia foram também retirados do mercado devido às sanções impostas ao Irão. Sem aquele grande surto de óleo de xisto nos Estados Unidos, é altamente provável que as sanções tivessem falhado. Os preços teriam disparado, os países em busca de petróleo mais barato teriam rompido as fileiras - e o Irão poderia não estar hoje à mesa das negociações nucleares.

Em meados do Verão passado, porém, as circunstâncias alteraram-se. O crescimento económico mundial estava a atenuar-se. A Europa estava paralisada. Desde 2004, que o rápido aumento da procura de petróleo por parte da China tinha sido o factor determinante no mercado global de petróleo. Mas a economia da China estava também a desacelerar e isso significava a desaceleração do crescimento da procura de petróleo. Por esta altura, a Líbia conseguiu quadruplicar sua produção de petróleo, pelo menos por algum tempo. Foi isto que desencadeou o início do declínio dos preços.

Supunha-se que a OPEP iria intervir e cortar a produção para aumentar os preços. Milhões de milhões de dólares de investimento foram aplicados ao longo dos últimos anos com base nessa premissa.

Mas a Arábia Saudita e outros países do Golfo recusaram-se a fazê-lo. Se reduzissem a produção, raciocinaram, iriam perder quota de mercado de forma permanente. Sob o seu ponto de vista, estariam a cortar no seu "petróleo de baixo custo" para abrir espaço ao "petróleo de custo elevado", e acabariam por ter que fazer novos cortes para acomodar mais petróleo de custo elevado.

Eles estavam a olhar para a concorrência não apenas do petróleo de xisto americano mas também para as areias betuminosas do Canadá e para as novas fontes de abastecimento na Rússia, Árctico, Brasil, Ásia Central, África bem como para os volumes crescentes de petróleo offshore pelo mundo fora.

Mas, de forma mais imediata, estavam de olho em dois vizinhos. Não queriam desistir de mercados em favor do Iraque, um país que vêem como um satélite iraniano, e cuja produção está a aumentar. E certamente que não queriam abrir caminho ao Irão, que pensavam poder vir a alcançar um acordo nuclear com os Estados Unidos e os seus aliados, trazendo esse petróleo iraniano de regresso ao mercado.

A profundidade da queda dos preços pode ser muito maior do que até mesmo alguns dos produtores do Golfo anteciparam. Por todo o mundo, as empresas petrolíferas estão a reduzir orçamentos, cortar custos, a abrandar a concretização de projectos e a adiar outros novos. Alguns podem acabar por vir a ser cancelados.

A Arábia Saudita tem a expectativa de que os preços mais baixos do petróleo virão a estimular o crescimento económico e a procura de petróleo. Nesse meio tempo, com as suas grandes reservas cambiais, a Arábia Saudita e os emiratos do Golfo Pérsico podem dar-se ao luxo de esperar.

O mesmo não é verdade para muitos dos outros exportadores de petróleo. A Venezuela é altamente vulnerável à turbulência e inclusive ao colapso financeiro. A Rússia está a enfrentar não apenas os preços mais baixos do petróleo, que proporciona mais de 40% das receitas estatais, mas também as sanções relacionadas com a Ucrânia, e parece caminhar em direcção a uma recessão profunda.

A Nigéria, a maior economia da África e a nação mais populosa do continente, está também em risco. O sector petrolífero representa 95% das receitas de exportação e 75% das receitas estatais. E as suas receitas estão a cair pois precisa de mais dinheiro para combater a insurgência islamita do Boko Haram.

Acima de tudo, a queda dos preços do petróleo poderá vir a significar uma transferência de 1.5 a 2 milhões de milhões de dólares dos países exportadores para os países importadores de petróleo. O Japão será um grande beneficiário. Tal como acontecerá com a China. Como também acontecerá com os consumidores americanos, embora isso também signifique que menos poços de petróleo serão aqui perfurados, mais plataformas de exploração serão postas de lado e um número crescente de trabalhadores desaparecerá.

O petróleo de xisto americano tornou-se no novo factor decisivo no mercado mundial de petróleo de uma forma que não seria possível imaginar há cinco anos atrás. Provou ser uma tecnologia verdadeiramente disruptiva. Mas será que esse impacto perdurará num mundo de preços baixos?

O petróleo está agora abaixo dos 50 dólares o barril, um preço demasiado baixo para uma boa parte de explorações de petróleo de xisto fazer sentido económico. No entanto, é provável que a produção continue a aumentar até uns adicionais 500 mil barris por dia no primeiro semestre de 2015 devido ao impulso dos compromissos já assumidos.

Chegados a meio do ano, no entanto, o crescimento irá estancar. Os produtores irão trabalhar arduamente para melhorar a eficiência e reduzir os custos, mas em 2016, a estes preços, a produção norte-americana poderá vir a declinar. Os níveis de produção noutras partes do mundo também terão tendência a nivelar.

Mas por essa altura a economia mundial poderá melhorar assim estimulando a procura de petróleo. Os preços poderão começar a subir novamente. Se os produtores do Golfo conseguirem o que querem, os preços não irão regressar aos 100 dólares o barril. Mesmo a preços bem abaixo dos 100 dólares, os produtores de petróleo de xisto americano vão encontrar meios de reduzir os custos e a produção irá comece a aumentar novamente. E o novo swing producer mundial achar-se-á a si próprio de volta ao comando dos balanços do “navio” petrolífero.

5 comentários:

António Barreto disse...

Uma síntese oportuna e esclarecedora. Publiquei, obrigado.

Eduardo Freitas disse...

Caro António Barreto,

Creia-me recompensado pelo seu comentário.

Saudações,

Eduardo Freitas

LV disse...

Caro Eduardo,

Descontando o tom optimista de Yergen na parte final do artigo, nos EUA há várias empresas a parar a produção e a proceder a despedimentos. Ao que parece é uma reacção normal da indústria (o passado mostra-o). Mas as consequências financeiras destas paragens não se apagarão tão depressa, já que muitos dos projectos foram (são) financiados a crédito cujo pagamento fica em risco com o petróleo a estes preços. E os outros veículos (bonds) estão a "queimar".
Se juntarmos a condição entrópica dos mercados e economias globais, então a hipótese do crescimento que levantaria os preços e a indústria fica em causa.
A confusão que testemunhamos é, simultaneamente, curiosa e assustadora. Parece que estamos a observar movimentos tectónicos, mas a uma velocidade aumentada. Não me parece que seja possível controlar estes movimentos. Só algumas consequências desses movimentos. E mesmo assim, de um modo cada vez menos eficaz.

Saudações,
LV

Eduardo Freitas disse...

LV,

Sim, esses são aspectos que por exemplo David Stockman não se tem cansado de assinalar. Em particular, quando atribui boa parte da "revolução do shale" nos EUA à abundância de crédito artificialmente barato que permitiu uma fuga para a frente dos produtores domésticos (na esmagadora maioria, de pequena e média dimensão) recorrendo a uma cada vez maior alavancagem. Como tudo isto irá acabar nos EUA, e por implicação no mundo, é ainda uma incógnita e creio que muito dependerá da amplitude temporal da baixa de preços e onde se irá situar o novo patamar quando o próximo ciclo de subida estabilizar.

Irá a Arábia Saudita recuperar a sua condição de "swing producer" (imprescindível à subsistência de um cartel que de outro modo há muito teria implodido)? O shale dos EUA revelar-se-á mais resiliente do que muitos apontam?

Por outro lado, a desdolarização parece prosseguir a bom ritmo o que provavelmente significará novos acréscimos de produção, nomeadamente por parte do Irão e do Iraque (ainda um dia destes corre o risco de ser incluído no "eixo do mal"). Putin e os chineses não estão a dormir e a Ásia Central encerra em si muitas das respostas a estas questões.

De momento, porém, e foi o aspecto que pretendi sublinhar, parece-me estar a decorrer uma saudável recuperação do mecanismo dos preços neste mercado. O que não significa que daí não decorram consequências potencialmente devastadoras à sua volta atenta a "grande deformação" a que se chegou. A volatilidade está aí.

Saudações,

E. Freitas

Eduardo Freitas disse...

A título de complemento, e bem importante, refira-se igualmente que o grau de intermutabilidade entre o petróleo e o gás natural tem vindo a aumentar significativamente. É possível, por exemplo, produzir industrialmente já hoje gasolina, diesel, jet fuel, etc., a partir do gás natural (ver aqui). Basta que os preços cubram os custos...

Para quem estiver interessado, este recente artigo de Fred Singer parece-me também bem informativo (bem como um outro nele linkado).

Saudações